por João Marinho
Não vejo novela por falta de tempo e também porque "desisti"
das novelas faz muitos anos.
Belíssima, de Silvio de Abreu, em 2005, foi a última que
acompanhei. Lá se vão oito anos, ainda mais desérticos porque, pelo menos nos
últimos três, também desisti da tevê aberta.
Os canais a cabo me agradam bem
mais, inclusive os nacionais, além de ter me rendido à internet para acompanhar
séries e outras produções – mas confesso que Félix está me colocando para
pensar. Ando considerando mudar meus horários para acompanhar Amor à Vida.
Efeminado na medida certa, mesmo quando desempenha o papel de
"macho" junto a Edith (Bárbara Paz), o personagem está bárbaro na interpretação
de Mateus Solano. Autores de novela, mesmo quando gays, muitas vezes, não
retratam homossexuais com acurácia, na minha opinião – ainda que existam vários
tipos de nós, inclusive os não efeminados.
Não é raro que, com receio da audiência e da "censura
interna", os façam excessivamente assépticos, ou, como Aguinaldo Silva, exagerem
na mão e criem tipos folclóricos que mais caberiam num episódio de Zorra
Total, aquele humorístico de qualidade duvidosa e sem graça.
O problema, nesse último caso, não é a efeminação, o elemento
comédia e nem a "fechação", mas a falta de complexidade e o apelo a um humor do
tipo "palhaço", em vez de inteligente. Afinal, mesmo as bees mais fervidas fazem
mais do que "causar com plumas" para provocar risos em quem as
conhece.
Com Félix, Walcyr Carrasco se iguala a alguns autores, como o
próprio Silvio de Abreu, não obstante a oposição deste último a um reles beijo
gay, mais sensíveis e mais certeiros na hora de retratar personagens
homossexuais.
Até os mais enrustidos dentre nós são incapazes de não
reconhecer em Félix algum amigo – e, no belíssimo trabalho de Solano, as
qualidades não estão apenas nos chavões, no momento em ele dá pinta. Estão nos
detalhes: o gestual, os olhares, o porte, a balançada na cabeça. Impagável a
cena em que ele vai brigar com o personagem de Juliano Cazarré e, antes de
desaguar toda a sua raiva, dá uma boa olhada de cima a baixo no corpo do
rapaz.
Perfeito nas nuances, retratando o gay enrustido que, aqui e
ali, deixa "extravasar" parte do que retém escondido – e tudo isso num vilão
que, se continuar nessa pegada, tem tudo para entrar no "panteão do mal" com
alguns dos personagens mais carismáticos da teledramaturgia
brasileira.
Panteão do qual fazem parte Odete Roitman (Beatriz Segall), de Vale Tudo; Nazaré (Renata Sorrah), de Senhora do Destino; Flora (Patrícia
Pillar), de A Favorita; a "cachorra" Laura (Cláudia Abreu), de Celebridade; e a recente Carminha (Adriana Esteves), de Avenida Brasil,
dentre outros. Personagens tão carismáticos que mal lembramos quem eram as
mocinhas ou mocinhos.
Faltam nomes masculinos nesse panteão, e é bem interessante
que, entre eles, possa estar um gay, não é? Algo que venho dizendo há muito
tempo: a iminência de um vilão gay à medida que aumenta a porcentagem de
personagens homossexuais na teledramaturgia. Walcyr Carrasco, com Félix, se
arrisca, mas parece ir bem. Até os telespectadores gays já o amam. É só não
entornar o caldo.
Aliás, vale dar o crédito ao autor, que, quando escreveu Xica
da Silva para a extinta Manchete sob o pseudônimo de Adamo Angel, produziu um
Zé Maria – brilhantemente interpretado por Guilherme Piva – em pleno século 18
que, efeminado e cômico, era e ainda é muito superior à maioria dos tipos
excessivos que saem da caneta de Aguinaldo Silva. Xica, inclusive, que foi a
primeira telenovela a apresentar uma protagonista negra, a então adolescente
Taís Araújo.
(PS: e eu não sou noveleiro rsrs)