sábado, 22 de dezembro de 2012

"Ex-gays" e os esqueletos no armário


O problema da “ex-homossexualidade”


por João Marinho

Pensei muito em voltar a escrever sobre o tema e em começar fazendo uso de uma situação difícil que uma conhecida minha está passando – mas não posso me furtar a apresentar a enganação que, baseadas em um livro arcaico e em dogmas ultrapassados, tantas igrejas e tantos cristãos insistem em defender: a ideia de que é possível ser “ex-gay”.

Este ano, publiquei, não sem um certo prazer, uma nota no site A Capa que informava que a Exodus International, uma das maiores associações religiosas de “ex-gays” do mundo, reconheceu que a reversão da orientação sexual não é possível e que, nesse sentido, a homossexualidade é uma “cruz” que cabe ao “ex-gay” carregar e contra a qual lutar ao longo de sua vida, no projeto de viver de acordo “com a vontade de Deus”, quer seja: casando-se e tendo mulher e filhos. Não é o ideal, mas é um passo na direção mais sábia.

Muitos aqui sabem que eu já fui um gay evangélico – já tentei a via da oração por muitos anos, já fui um adolescente deprimido e em crise por causa disso. Também já tive amigos que tentaram outras vias mais “concretas”, até mesmo se internando em fazendas evangélicas que praticavam verdadeiras atrocidades psicológicas. Outros entraram em “grupos de aconselhamento” e outros ainda tentaram a via do exorcismo.

Graças a Deus (olhem a ironia), eu me livrei de tudo isso, nunca cheguei a esses extremos e, liberto, hoje sou feliz com minha sexualidade – mas de todos os que vi se declararem “ex-gays”, sempre foi essa a minha percepção. Na verdade, eles nunca deixavam de ser gays, ou seja, de sentir atração por homens. Recorrendo a expedientes de repressão psicológica ou de matriz religiosa, deixavam de praticar o sexo com os homens e, em nome de suas convicções, seguiam uma vida de comportamento heterossexual, tendo, porém, de se policiarem contra o sexo gay como um alcoólatra em tratamento: “não se pode dar o primeiro gole”.

A questão que se impõe é... Se um alcoólatra que não bebe mais pode ser chamado de “ex-alcoólatra”, por que um gay que não transa mais com homens não pode ser chamado de “ex-gay”? Em que pese o fato de que já vi alcoólatras dizendo que não existe “ex-alcoólatra” – você sempre será um, ou seja, terá aquele problema com o álcool, o que muda é se está sóbrio e abstêmio ou não –, eu responderia que a questão é de conceito.

Por má informação, ou má-fé, boa parte da população não compreende que o conceito de orientação sexual está ligado ao desejo, tomado em sua acepção ampla e ao longo da vida. Orientação tem esse nome porque indica a quem o desejo sexual, incluindo sua face afetiva, está orientado, dirigido, direcionado, e é isso que define se a pessoa é hétero, homo, bi ou pan, não o sexo da pessoa que está ao lado na cama.

Em suma, como costumo explicar, eu faço sexo com homens porque sou gay – não sou gay porque faço sexo com homens. Da mesma forma, um homem hétero faz sexo com mulheres por ser homem hétero, de antemão – não é pelo fato de praticar essa modalidade de sexo que ele se torna hétero.

O ato sexual-genital é, portanto, o resultado possível e provável da orientação sexual, não sua causa: o desejo antecede o ato. Tendo isso em vista, se o desejo da pessoa está orientado para o mesmo sexo, ela é homossexual, ou gay – independentemente de concretizar esse desejo mediante relações sexuais ou não. Gays (como héteros, bis e pans), portanto, podem ser celibatários, abstêmios e até mesmo se relacionarem com pessoa de sexo diverso. Também podem ser virgens – e isso é relevante, porque, se o que definisse a orientação sexual fosse o ato, e não o desejo, qualquer pessoa que ainda não tivesse transado não seria “nada”, não teria orientação sexual, o que é efetivamente um absurdo.

Trazendo isso para o que estamos discutindo aqui, então, o “ex-gay” não é “ex-“ porque o desejo pelo mesmo sexo fatalmente estará ainda, ou sempre, como admitiu a Exodus, presente. Não é por ter uma mulher e filhos com ela que, por isso, ele deixou de ser gay: basta apenas que o desejo pelo mesmo sexo esteja lá, como parte integrante da personalidade – e a verdade nua é crua é que, se você tem de lutar continuamente para não ceder a uma determinada vontade, ou para reprimi-la, a lógica impõe a realidade de que essa vontade existe, em primeiro lugar.

A descoberta de que essa “vontade” está lá não costuma ser um processo fácil, mesmo para aqueles que não são religiosos. Vivemos em uma sociedade homofóbica, em que destoar do padrão “homem com mulher” equivale a sofrer pressões e repreensões, enfrentar preconceitos – inclusive os nossos próprios – e até mesmo atos de violência. Diante disso, não chega a ser inesperado que o gay que recentemente se descobriu assim anseie “por se tornar hétero”, porque, afinal, quem quer passar por sofrimentos?

A constatação dessa realidade faz com que muitos na igreja, e fora dela, acreditem assim que possibilitar “tratamentos”, espirituais ou não, para permitir à pessoa alcançar essa meta é uma demonstração de caridade e piedade humana – e, alguns, nutridos desse ideal de compaixão, chegam a apoiar teses como a do recente projeto de Decreto Legislativo que quer derrubar a proibição de psicólogos oferecerem tratamentos objetivando a “cura da homossexualidade”, em discussão no Congresso.

Existem, porém, outras três verdades nuas e cruas. Uma delas é que a ciência – que deve pautar a ação do psicólogo enquanto profissional – já tentou a via da “cura”, sem sucesso, conforme demonstram bastantes evidências, que se acumulam de décadas atrás até hoje. A segunda é que esses tratamentos, e incluo aqui os espirituais, costumam mais piorar do que melhorar a psique das pessoas. Reprimir um desejo legítimo não acontece sem se pagar um preço – e não é difícil imaginar quão pode ser difícil e tensa uma vida em que o policiamento contra uma força tão legítima e primária é a regra.

A terceira verdade nua e crua é que basta arranhar a superfície para saber que não é a homossexualidade o problema, mas a homofobia: se a sociedade facilitasse a vida dos gays, em vez de os recriminar, se os pais deixassem o amor por seus filhos falarem mais alto, quem negaria que, em vez de tentarem “virar héteros”, tantos gays  não tentariam viver uma vida plena e harmônica com sua sexualidade, sem sofrerem perseguição por causa disso?

No entanto, quero aqui falar do segundo ponto, o preço por viver uma vida reprimindo um desejo.  Para isso, vou retomar o primeiro parágrafo: por que é uma enganação que as igrejas e os cristãos defendam que é possível ser “ex-gay”? Porque, além de ser, no mínimo, questionável falar em “ex-“, diante dos conceitos esclarecidos até aqui, muitas vezes, esses mesmos cristãos e suas igrejas não sabem, e nem mesmo fazem questão de saber, do preço que pagam essas pessoas.

A história de uma conhecida minha, que me motivou a escrever este artigo, não será revelada em detalhes, a fim de manter intacta sua privacidade e seu sofrimento. Basta saber que, depois de ter se casado e ver sua vida sexual com o marido com quem tivera filhos decrescer em qualidade por um certo período de tempo, pelo qual ela culpava a si mesma, descobriu que seu marido a traiu com outro rapaz. Os personagens são evangélicos.

Não se pode negar o sofrimento por que ela passou e tem passado, embora tenha tido a grandeza de enxergar nisso uma libertação: não era “culpa” dela, afinal – e, aqui, a tendência dos moralistas de plantão é enxergar no ex-marido um pulha, que não soube honrar o casamento e destruiu a família com as próprias mãos.

Uma análise mais aprofundada, no entanto, mostra que essa é uma situação em que não existem verdadeiros vilões. Criado em uma família evangélica e extremamente conservadora, o marido – de quem sempre desconfiei graças a meu “gaydar” –, certamente não teve uma vida mais fácil, ainda mais diante dos olhos de quem, como eu, descobriu na própria carne como é difícil se perceber gay e ser evangélico.

Como terá sido a vida desse moço, obrigado a recusar a si mesmo o benefício de procurar uma vida mais completa condizente com seu desejo, em nome de estar fazendo o que “Deus queria”? E como deve estar sendo essa situação, ao ter percebido que, pelo fato de o desejo, por tanto tempo reprimido, ter cobrado a fatura que ele não conseguiu pagar, ter magoado tantas pessoas ao mesmo tempo, inclusive a mulher que certamente amou (sim, porque há muitos casos de gays que foram casados com mulheres que efetivamente amaram suas esposas, até por existir, nos ensinam os gregos, mais de um tipo de amor)?

Agora, não haverá ninguém, especialmente em sua igreja, para ver seu lado e apoiá-lo. Desprezado por todos, culpando a si próprio e sozinho, ele ainda poderá enfrentar a ira evangélica e da família, se descobrirem a realidade dos fatos, por ter cedido aos “desejos de Satanás”, quando Satã não tem nada a ver com a história. O que há aqui, para quem, como eu, já está mais do que escolado, são seres humanos às voltas com suas escolhas, algumas delas indevidas frente ao desejo e sua própria natureza, e uma religião patentemente insensível a essas demandas, que prefere o sofrimento calado de um homem para manter as aparências e dogmas do que propiciar a esse ser humano uma alternativa de harmonizar sua sexualidade e seu sentimento religioso. Será que ele é mesmo o pulha?

Na minha concepção, se minha conhecida poderá se recuperar com certa velocidade do baque – quem sabe, encontrando outro homem que a faça feliz e a deseje sexualmente de verdade –, a situação do marido é bem mais complicada, e, se ele não tiver ajuda para se libertar dos dogmas religiosos, pode piorá-la, envolvendo-se em “tratamentos”. Quem sabe, caindo em intensa depressão, não tente uma alternativa ainda mais “concreta”, que poderia atender pelo nome de drogas ou suicídio...

Essa verdade nua e crua e feia é só uma das que se escondem por trás das histórias dos “ex-gays”, mas, convenientemente, muitos pastores e suas igrejas fazem questão de não abordá-la em seus cultos evangelísticos transmitidos nas televisões de concessão pública.  Quem conhece esse lado somos nós, outros gays, que pouco temos voz, e estamos igualmente sozinhos, procurando ajudar aqueles que passaram por martírios que, às vezes, nós também já experimentamos.

Certamente, o marido será apresentado como um “falso crente”, quando a única coisa falsa aqui é o dogma religioso e sua promessa de “ex-homossexualidade”, ou ainda, a falsa promessa de que a felicidade real só se encontra em um casamento hétero, “de acordo com a vontade de Deus”.

A história que acabo de relatar me fez lembrar de outra, talvez o primeiro caso de “ex-gay” com quem tive contato, quando eu contava com cerca de 18 anos. Francisco era o nome dele, gay efeminado que costumava ir a certa praça em minha cidade “caçar”, como eu à época, companhias masculinas.

Soube por amigos em comum que Francisco se convertera à CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL e, após se submeter a “aconselhamentos” e sessões que beiravam o exorcismo, estava noivo de uma mulher da igreja. Tentei argumentar com ele, mas diante de sua convicção inabalável, não me restou alternativa a não ser me resignar – apenas para, cerca de nove meses depois, reencontrar Francisco, já casado, novamente procurando companhias masculinas no mesmo lugar.

Uma conversa foi bastante reveladora. Deprimido, ele argumentou ter tentado de tudo, sem sucesso, e que “esse negócio de cura não existia”. “Pois é”, respondi eu, “mas agora você envolveu outra pessoa, que está em casa te esperando. Como é que fica?”. “Como é que fica”, pergunto eu, se, numa dessas, ele sofresse uma violência, ou se, tomado de intenso e cego desejo, descuidasse de sua proteção e pegasse algo e o transmitisse à mulher?

Novamente, veríamos o Francisco como o vilão, que enganou a todos... Mas será que não foi ele o enganado? E será que não foram os fiéis da igreja os enganados? Quem duvida de que Francisco foi apresentado como um caso de “restauração pelo poder de Deus”, por “ter sido gay” e agora estar casado? Talvez ele fizesse até uma ponta no programa de Silas Malafaia – e, no entanto, novamente, somos nós, outros gays, que temos de lidar com esse lado escuro e feio do que as igrejas gostam de mostrar em seus shows evangélicos.

Francisco e o ex-marido de minha conhecida não eram e não são pessoas de má índole, como certamente não o são suas mulheres. Podem ter “errado”, se considerarmos “erro” a “traição” sem levar em conta seus motivos – operação esta que eu, particularmente, considero o verdadeiro erro –, mas eram humanos devotos, convictos da ação do evangelho em suas vidas e de seguirem o desejo de Deus.

Só nos resta perguntar que Deus é esse, que deseja e prefere a mentira em vez da verdade, a aparência em vez da harmonia, a traição em vez da cumplicidade, o dogma em vez da felicidade, o sofrimento em vez da plenitude, como se a homossexualidade fosse um erro, em vez de uma via possível para se estar bem consigo mesmo... Um Deus que prefere ver um “ex-gay” sofredor e em uma luta inglória a um gay feliz, arrastando junto ao primeiro uma família inteira. Se é esse o Deus que a igreja acredita, lamento: o meu não é assim – e ainda me perguntam por que eu decidi abandonar os templos, enquanto outros querem restaurar a “cura gay” psicológica via canetada no Congresso... 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

CONTRA A "CURA DA HOMOSSEXUALIDADE"

"CURA DA HOMOSSEXUALIDADE"? DIGA NÃO!

Para quem não sabe, hoje a Câmara dos Deputados está discutindo um tenebroso projeto cujo intuito é fazer o Brasil voltar aos anos 1950 e restaurar as "terapias de conversão" ou "reparação" da homossex
ualidade, atualmente proibidas pela resolução CFP 01/99.

Não existe evidência científica de que essa "reversão" exista. O que existe é evidência de que ela pode causar danos emocionais e psicológicos a quem a ela se submete.

Diga NÃO! Não a essa nova tentativa evangélica fundamentalista de estabelecer uma volta ao passado e reescrever o que a ciência tem descoberto e já abandonou. É simples!

1- Copie e cole os mails dos deputados da comissão abaixo no campo PARA do seu programa de email.

dep.mandetta@camara.leg.br, dep.fabiosouto@camara.leg.br, dep.laelvarella@camara.leg.br, dep.antoniobrito@camara.leg.br, dep.amauriteixeira@camara.leg.br, dep.angelovanhoni@camara.leg.br, dep.beneditadasilva@camara.leg.br, dep.nazarenofonteles@camara.leg.br, dep.rogeriocarvalho@camara.leg.br, dep.darcisioperondi@camara.leg.br, dep.geraldoresende@camara.leg.br, dep.nildagondim@camara.leg.br, dep.osmarterra@camara.leg.br, dep.saraivafelipe@camara.leg.br, dep.teresasurita@camara.leg.br, dep.eduardobarbosa@camara.leg.br, dep.marcuspestana@camara.leg.br, dep.williamdib@camara.leg.br, dep.cidaborghetti@camara.leg.br, dep.joselinhares@camara.leg.br, dep.josehumberto@camara.leg.br, dep.rosinhadaadefal@camara.leg.br, dep.waltertosta@camara.leg.br, dep.eleusespaiva@camara.leg.br, dep.dr.paulocesar@camara.leg.br, dep.jhonatandejesus@camara.leg.br, dep.joaoananias@camara.leg.br, dep.jandirafeghali@camara.leg.br, dep.celiarocha@camara.leg.br, dep.antoniobrito@camara.leg.br, dep.carmenzanotto@camara.leg.br, dep.suelividigal@camara.leg.br, dep.dr.jorgesilva@camara.leg.br, dep.ribamaralves@camara.leg.br, dep.alexandreroso@camara.leg.br, dep.neiltonmulim@camara.leg.br, dep.mauriciotrindade@camara.leg.br, dep.mandetta@camara.leg.br, dep.laelvarella@camara.leg.br, dep.fabiosouto@camara.leg.br, dep.josehumberto@camara.leg.br, dep.onofresantoagostini@camara.leg.br, dep.nicelobao@camara.leg.br, dep.geraldothadeu@camara.leg.br, dep.vitorpaulo@camara.leg.br, dep.jomoraes@camara.leg.br, dep.pastormarcofeliciano@camara.leg.br, dep.walneyrocha@camara.leg.br, dep.arnaldofariadesa@camara.leg.br, dep.rosaneferreira@camara.leg.br, dep.robertodelucena@camara.leg.br, dep.dr.aluizio@camara.leg.br, dep.arlindochinaglia@camara.leg.br, dep.assiscarvalho@camara.leg.br, dep.dr.rosinha@camara.leg.br, dep.erikakokay@camara.leg.br, dep.padrejoao@camara.leg.br, dep.andrezacharow@camara.leg.br, dep.daniloforte@camara.leg.br, dep.elcionebarbalho@camara.leg.br, dep.irisdearaujo@camara.leg.br, dep.raimundao@camara.leg.br, dep.rodrigobethlem@camara.leg.br, dep.brunafurlan@camara.leg.br, dep.joaocampos@camara.leg.br, dep.maragabrilli@camara.leg.br, dep.iracemaportella@camara.leg.br, dep.robertobritto@camara.leg.br, dep.toninhopinheiro@camara.leg.br, dep.luizcarlossetim@camara.leg.br, dep.ronaldocaiado@camara.leg.br, dep.goretepereira@camara.leg.br, dep.pastoreurico@camara.leg.br, dep.paulofoletto@camara.leg.br, dep.manato@camara.leg.br, dep.paulorubemsantiago@camara.leg.br

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2- No campo ASSUNTO, escreve CONTRA O PROJETO DE CURA GAY.

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3- No corpo da MENSAGEM, copie e cole a que está abaixo.

Não importa se a pessoa é contra ou a favor da homossexualidade. Não importa se sua religião aprova ou não a homossexualidade. Preferências ideológicas e religiosas são assuntos de foro íntimo - mas não a ciência.

A APA norte-americana, após extenso estudo, já concluiu que "terapias de reversão" da homossexualidade são ineficazes e podem causar danos psicológicos. A Califórnia, por esse mesmo motivo, já proibiu a prática a menores. A OMS não reconhece a homossexualidade como distúrbio desde os anos 90 - e até a China removeu a indicação em 2004. A organização Exodus, religiosa e de "ex-gays", após anos defendendo a prática, reconheceu que a mesma não é efetiva.

O Brasil não pode voltar ao anos 50, quando gays e lésbicas eram tratados com terapias cruéis e práticas como lobotomia, eletrochoque, emasculação e hormônios. O Brasil não pode reescrever a ciência e desprezar todo o conhecimento acumulado por ela ao longo de tantos anos.

Deputado, diga NÃO a esse projeto.

Grato(a),

RG
CPF

domingo, 18 de novembro de 2012

A origem do HIV


A descoberta das origens do HIV

 por João Marinho

Em homenagem ao Dia Mundial de Luta contra a Aids, 1º de dezembro

Kinshasa, Congo Belga, 1908. Como é tradição no país, um homem vai a um mercado local e compra uma deliciosa mistura para o almoço, muito apreciada na região: carne de macaco.

Depois do banquete, o homem manda seus filhos brincarem na vizinhança e tem uma “tarde quente de sexo” com sua esposa. À noite, com a desculpa de que vai sair com amigos, ele encontra seu amante na aldeia próxima.

O homem não sabe, mas o hábito de comer carne de macaco instalou um novo vírus em seu organismo, que será desconhecido pela ciência nos próximos 70 anos e que iria matá-lo, sua esposa e seu amante: o HIV.

A cena anterior é fictícia, mas podia ser verdade. O HIV, nós sabemos o que é. Ele se tornou conhecido em 1981, quando os Estados Unidos enfrentaram o surto de um tipo raro de câncer – o sarcoma de Kaposi – e de uma misteriosa condição de saúde, caracterizada pela progressiva destruição dos glóbulos brancos do sangue. Pouco tempo depois, ficou claro que os usuários de drogas e os homens gays eram os mais atingidos pela nova doença. Eles eram tão afetados que a nova doença recebeu o nome de GRID (em inglês, deficiência imunológica relacionada aos gays).

Entre 1983 e 1984, dois grupos de cientistas, um liderado pelo Dr. Luc Montagnier, na França, e outro chefiado pelo Dr. Robert Gallo, nos Estados Unidos, isolaram e identificaram o agente viral que causava a doença.

Por um tempo, acreditou-se que o Dr. Gallo era o único ou primeiro descobridor do HIV. A polêmica começou no início dos anos 80, quando, depois de ter isolado o vírus e desenvolvido um teste para detectá-lo nos pacientes, o governo dos Estados Unidos convidou-o a anunciar a descoberta sem o grupo francês, que já tinha escrito um artigo sobre o agente .

Hoje, sabemos que a equipe do Dr. Montagnier foi a primeira a publicar um artigo sobre o isolamento do vírus – e que o Dr. Gallo tinha recebido algumas amostras contaminadas com o vírus “francês”, que estava sendo estudado. Atualmente, reconhece-se que tanto Luc Montaigner quanto Robert Gallo são os descobridores – e também o Dr. Jay Levy, que, concomitantemente, tinha isolado o vírus na Universidade da Califórnia, mas permaneceu fora da polêmica.

Não obstante, o anterior HTLV-III, que havia sido nomeado assim pelo Dr. Gallo, tornou-se o HIV (em inglês, vírus da imunodeficiência humana). A doença, por sua vez, foi rebatizada como aids (em inglês, síndrome da imunodeficiência adquirida) e mostrou que não era “relacionada aos gays”, afinal: ela se propaga através de fluidos sexuais, sangue e leite materno.

Se você leu este artigo até agora, a história do quarto ao oitavo parágrafos é certamente bem conhecida por você – mas o que dizer de Kinshasa, 1908, carne de macaco e HIV? Por que começamos por aí? Na verdade, há uma grande lacuna na história do HIV para a maioria das pessoas, o que as levou a acreditar que a aids é uma doença muito nova, que nasceu nos anos 80 e surge devido a comportamentos sexuais libertários – e, por isso, um tipo de punição criada por Deus, de acordo com algumas visões religiosas.

Na verdade, entre 2007 e 2008, um grupo de cientistas liderados pelo Dr. Michael Worobey, da Universidade do Arizona em Tucson, publicou dois artigos que relataram a descoberta da história prévia do HIV – e da aids.

Hoje em dia, a tese mais aceita sobre a origem do HIV é um vírus semelhante que ataca mais de 30 espécies de primatas africanos: o SIV (vírus da imunodeficiência símia). As duas principais cepas do HIV – o HIV-1, que causa a doença pandêmica em todo o mundo; e o HIV-2, que sobrevive principalmente na África – nasceram de uma mutação do SIV que existia em dois grupos de chimpanzés. Isso foi provado por análise genética de ambos os vírus, HIV e SIV. Acredita-se que a migração do SIV para os seres humanos e a mutação que originou o HIV tenham vindo do hábito milenar de comer carne de macaco na África Central.

O primeiro artigo da equipe de pesquisadores da Universidade do Arizona foi publicado em 2007 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Usando análise genética de pessoas infectadas nos primeiros anos, eles traçaram a rota do HIV pelo mundo.

Depois que nasceu na África Central, o HIV se espalhou pelo continente e foi transmitido para os haitianos que estavam na África convidados por governos para trabalhar, devido ao desenvolvimento urbano das cidades africanas. Acredita-se que o vírus tenha viajado para o Haiti em 1966 e entrado nos Estados Unidos em 1969, devido à imigração haitiana. Dos Estados Unidos, a expansão continuou pelo globo.

O segundo artigo foi publicado em 2008 na revista Nature. Nessa pesquisa, o Dr. Worobey e seus colegas analisaram as duas amostras mais antigas de sangue contendo HIV: uma é de 1959 e pertence a um homem que morreu em Kinshasa, ex-Congo Belga e atual República Democrática do Congo; a outra pertence a uma mulher da mesma cidade. A data da amostra: 1960.

O Dr. Worobey e seus pesquisadores descobriram que ambos os vírus se originaram de um mesmo hospedeiro humano, que se acredita ter vivido entre 1884 e 1924. Eles até arriscaram uma data para o nascimento do HIV: 1908. É quando nossa história começa.

domingo, 21 de outubro de 2012

Tenho alergia ao látex. Como vou fazer sexo seguro?


Alergia ao látex: falta algo no sexo seguro?


por João Marinho

Uma coisa que tem me causado preocupação em relação ao sexo seguro - e que me veio à mente por conhecer pessoas que passam pelo problema - é... O que acontece quando a pessoa tem alergia ao látex comumente usado no preservativo masculino?

Sim, todas as propagandas e campanhas relacionadas ao sexo seguro e à prevenção ao HIV/Aids focam esse ponto: use camisinha! Mas, quando a pessoa tem algum grau de intolerância à “borracha”, pouco é dito... Ou nada - e, mesmo existindo também a camisinha feminina, ela nunca é enfatizada nas campanhas, já notaram?

O problema parece pouco sério. Em pesquisas realizadas em sites especializados, os mesmos indicam que a sensibilidade ao látex - que teria se originado do uso indiscriminado do material em hospitais a partir da década de 80, segundo esta reportagem do Via Mulher - ocorre em até 6% da população. É um público que possui algum grau de intolerância ao produto.

Essa intolerância varia desde uma dermatite de contato, com coceira, vermelhidão, inchaço e mesmo formação de feridas até formas mais severas, que podem chegar ao choque anafilático. Então, pensamos... Mas se “só” 6% das pessoas têm um problema assim, para que se preocupar, não é?

A preocupação surge quando convertermos a porcentagem em números inteiros. O Censo 2010 registra que o Brasil tem hoje mais de 190 milhões de habitantes. Se tão somente jogarmos sobre esse número a porcentagem de 6%, temos aí mais de 11 milhões de pessoas para quem o uso da camisinha tradicional simplesmente não é uma opção.

É um número maior do que os habitantes da maior cidade do país, São Paulo, ou, se vocês preferirem, mais que a população inteirinha do Rio Grande do Sul ou do Paraná, ou ainda próximo à soma das populações dos estados do Rio Grande do Norte, Alagoas e Piauí. Para mim, ter “três estados” de pessoas que não podem usar o preservativo tradicional é um problemão...

O que fazer nesses casos? O que muitos não sabem é que os preservativos de látex não são a única opção do mercado. Existem, por exemplo, as camisinhas masculinas de poliuretano, que não levam látex e têm uma resistência similar à dos primeiros. O poliuretano é também o material mais usado na camisinha feminina, justamente por ser hipoalérgico, o que faz dela igual candidata para contornar a sensibilidade ao látex.

Os problemas são: (1) encontrar e (2) pagar. Embora a camisinha feminina seja distribuída gratuitamente em alguns centros de referência, ela é bem menos disponível e mais difícil de encontrar. Mesmo em farmácias, vocês já devem ter percebido, ela não é propriamente o item mais comum – e, comprada, é também mais cara.

As camisinhas masculinas de poliuretano têm uma situação pior ainda. Simplesmente, pelo menos até um tempo atrás, não existiam no Brasil! A opção era comprar em sites de importação ou em sex shops, um problemão para quem tem acesso restrito à internet nos rincões do País ou não mora em grandes centros, em regiões onde sex shops são menos comuns e/ou, existindo, menos equipadas. Como item importado, o valor também não é dos mais convidativos. Nas farmácias, atendentes e farmacêuticos até mesmo desconhecem que elas existam.

Atualmente, existe no Brasil a opção da camisinha UNIQUE, que ilustra este texto. Ela é produzida em A10, uma resina de polietileno, está disponível na internet, onde é possível comprar ou saber em qual farmácia encontrar, e é vendida em uma cartela com três unidades, que pode custar de R$ 12 até... R$ 22! Uma facadinha, né? Especialmente para quem tem vida sexual mais ativa. Para quem é passivo, as opções ficam ainda piores, já que oferecer um preservativo masculino que não seja de látex pode causar estranhamento no parceiro e, claro, pelo fator preço.

Há, porém, uma opção mais barata. A famosa marca Blowtex lançou a sua camisinha PREMIUM, que é também "latex free", produzida em poli-isopreno. A embalagem com duas unidades é vendida a pouco mais de R$ 4 neste site.

Alguns conselheiros de centros de referência também têm recomendado para os passivos com alergia a látex a camisinha feminina. Isso mesmo: camisinha feminina para o sexo anal. Soa estranho, mas, no exterior, também há quem faça essa recomendação, como este site, especializado em saúde sexual para homens que fazem sexo com homens.

As pesquisas, porém, ainda não apontaram definitivamente o grau de eficácia do uso anal do preservativo feminino no sexo gay – e, aliás, também no hétero, afinal a mulher pode praticar sexo anal e também ter sensibilidade ao látex, não é? Felizmente, tudo indica que os prognósticos são bons.

Ademais, se nos guiarmos pela lógica de que melhor uma barreira do que nenhuma e, se for possível, melhor gastar mais do que ter inchaços, coceira e feridas (que, por sinal, aumentam o risco de contágio de DSTs), restam essas opções para os alérgicos a látex: usar a camisinha feminina no sexo hétero vaginal ou anal e no sexo gay (anal), importar uma masculina de poliuretano na Web ou na sex shop mais perto de sua casa ou comprar a Unique ou a Blowtex Premium.

Só fica a dúvida do porquê não se avalia se todas as camisinhas poderiam ser feitas de material hipoalérgico por padrão e assim distribuídas nos serviços de saúde... E do porquê que ainda não inventaram uma camisinha anal, uma vez que, verdade seja dita, já passou da hora, não é?

Foto: Reprodução

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Entre Homens: 18/10/2012

Estão todos convidados!

SEGUNDO ENTRE HOMENS é amanhã, às 19h30!

Compareçam!


Islã x Ocidente


Entendendo um pouco sobre o islã - ou o islã paralisa as sociedades?


por João Marinho


É preciso olhar com mais afinco a história. Vejam, até antes do islã, o mundo árabe era essencialmente tribal, com tribos se matando entre si em uma disputa fratricida interminável, calcada na relação por meio da guerra e com assassinato de meninas, muito similar ao que vimos na China em tempos recentes. E estava muito aquém de seus vizinhos europeus e mesmo que algumas civilizações africanas mais antigas, além dos persas. A rigor, praticamente não havia o que pudéssemos chamar de civilização árabe. Pelo menos, não em termos de um crescimento estável, sustentável e florescimento técnico-científico e filosófico.

A chegada do islã possibilitou, pela primeira vez na história árabe, a formação de um Estado. Maomé se tornou um líder religioso, político e militar - e, embora para a época, tenha sufocado oposições, como de resto se fazia política naquele momento histórico -, fundou um Estado, deu o primeiro sentimento de organização política aos árabes e encerrou as guerras fratricidas, inserindo os árabes em um processo civilizatório incontestável, com foco no comércio, sistema jurídico (as escolas jurisprudenciais do islã), um corpo de leis (Shariah) e até mesmo uma sucessão de comando (os califas), ainda que, aqui e ali, houvessem disputas sangrentas de um califado para outro.

A expansão do islã e a assimilação da filosofia greco-romana posterior (a falsafah) levaram o mundo islâmico posteriormente a um florescimento técnico-científico que estava muito adiantado frente à Europa medieval, da astronomia à medicina, da matemática à filosofia. E até a política, em um sistema de votação que lembrava a hoje democracia. Surgiram as universidades e as madrassas.

Foi por mãos árabes - e islâmicas - que os europeus redescobriram a Antiguidade Clássica, o que possibilitou a vinda da Renascença. Então, o islã não "paralisou" essas sociedades. Essas sociedades só existem, em primeiro lugar, por causa do islã - assim como seu florescimento civilizatório prévio. Talvez com a notória exceção dos persas, que já tinham um florescimento civilizatório anterior e apenas se converteram.

O islã encerrou a matança de meninas, aumentou o direito das mulheres - na era medieval e até o início da Idade Moderna ocidental, as islâmicas gozavam de mais direitos que as europeias, inclusive o de divórcio - e acabou influenciando outros impérios que vieram depois e se converteram, como os mongóis.

Esse histórico é que torna mais difícil a penetração da ideia de laicismo no mundo árabe-islâmico. Porque, se a Europa já conhecia o Estado antes do cristianismo (Império Romano, Macedônios, Gregos, etc), no mundo árabe, o Estado só veio a existir por causa do islã. Como convencer o islâmico médio da separação entre religião e Estado, se um surgiu por causa da outra, em primeiro lugar?

Além disso, o Ocidente não foi muito "amiguinho" dos islâmicos. Entre os fins de século 19 e início do século 20, colonizaram a região e introduziram o laicismo e a modernidade europeia - que, então, tinha ultrapassado o islã, graças ao advento do Renascimento, depois o Iluminismo, as grandes navegações, etc. etc. - a fórceps, mediante força bruta, exploração e apoio a ditaduras laicas cruéis que prendiam e matavam os clérigos e procuravam proibir a livre manifestação religiosa e diminuir, também à força, a influência da cultura islâmica e estimular sua ocidentalização.

Acerta quem aposta que tudo isso resultou num caldo em que o fundamentalismo islâmico surgiu como opção política cada vez mais importante, pregando o ódio aos ocidentais e aos ateístas do Oeste (o que não era lá tão gratuito) e estimulando as vertentes radicais do islã como um reforço à identidade cultural diante da ocidentalização forçada. Pode parecer estranho, mas as mulheres usando os véus islâmicos hijab e niqab em 1979, durante a revolução de Khomeini que derrubou o antigo xá no Irã tinha um significado de libertação, de luta contra a opressão - não o contrário.

Ressalte-se, sobretudo, que o fundamentalismo bebeu em fontes de tradição islâmica para ter esse reforço. Historicamente, as revoluções no mundo islâmico são conservadoras, pela própria teologia muçulmana. Diferentemente do cristianismo, que prega, acima de tudo, um paraíso extraterreno e pós-morte, para o islâmico - embora ele também acredite no pós-morte -, os sinais de benesses divinas são sentidos no aqui e agora, na sociedade e na política. É o conceito de ummah, que é a completa comunidade muçulmana mundial.

A rigor, funciona assim: se a ummah vai bem e prospera, é sinal de que Alá está abençoando - e, nesse contexto, começa a haver flexibilização de costumes e certas tolerâncias. Se a ummah vai mal, é sinal de que Alá está descontente e punindo. A solução? Voltar ao "islã real", eliminar as flexibilizações e fazer a vontade de Alá. Resultado: toda revolução no mundo islâmico, diferentemente do mundo ocidental, tende a restaurar o conservadorismo - e não o contrário. E os fundamentalistas souberam usar isso, porque, já faz tempo, sobretudo com a submissão às potências europeias e depois aos EUA, que a ummah não vai muito bem...

Há um problema adicional: é que o fundamentalista é uma faca de dois gumes. Ao reforçar o radicalismo e pregar o ódio, ele, chegado ao poder, estimulou o terrorismo e tende a fechar o mundo islâmico à interação político-social, tecnológica e científica que poderia resultar em uma "ummah" mais moderna e mais ajustada ao século 21. Aí, sim, podemos falar de paralisação. Aí, sim, é o que vemos nas segundas fotos do Afeganistão e do Irã (vejam abaixo a imagem que me estimulou a escrever este artigo).

Como resolver isso? A solução não é fácil. O Ocidente tem sua própria agenda política - não podia ser diferente -, que não raro passa por dominações remodeladas, a ummah continua não indo muito bem, os jovens islâmicos, mais permeáveis às mudanças via redes sociais, internet e afins e também à pobreza e à falta de emprego, querem mais liberdade, o fundamentalismo continua forte e cooptando esse sentimento de insatisfação e o sentimento antiocidente que o Ocidente também estimulou. Existe inegável desrespeito aos direitos humanos via religião (gays, mulheres, etc.)... E aí vira esse caldeirão que estamos vendo, a Primavera Árabe já com cara de Outono e um mundo árabe-islâmico cada vez mais intolerante, mais homofóbico, mais machista e cada vez mais desbotado em relação ao brilhantismo medieval.


Por que decidi votar em Haddad


Haddad, Serra e ONG Ecos



Depois do apoio de Silas "Malacraia", agora Serra se sai com essa? JÁ DEU! Declaro meu voto em Haddad.

por João Marinho

Algumas coisas que precisam ficar claras:

1- Eu já trabalhei na ONG ECOS, na companhia de gente capaz como Sandra Unbehaum e Sylvia Cavasin.
 Conheço o trabalho deles. A Ecos jamais faria um material tão importante como o Kit Escola sem Homofobia para induzir crianças não apenas à homossexualidade, mas a qualquer orientação sexual. Inclusive porque tal "indução" é mesmo impossível.

2- Reconheço que boa parte dessa campanha de desinformação sobre o kit, apelidado de "kit gay" é culpa do próprio Haddad. Já falei aqui, mais de uma vez, da gestão deficitária do assunto quando ele era ministro da Educação. O kit era tratado como segredo, não foi disponibilizado ao movimento LGBT como deveria e aí qualquer coisa que se dizia dele, mesmo as imbecibilidades arrotadas pela bancada evangélica fundamentalista, passava por verdade. A traidora Dilma, mais preocupada em preservar Antonio Palocci do que em combater a homofobia, vetou o kit sob pressão dos fundamentalistas - e até hoje ainda não há informação oficial suficiente sobre o que realmente havia nele e do porquê foi vetado (a versão oficial de Dilma, porque a real, sabemos: a tentativa de manter Palocci - o kit foi dado em moeda de troca para os evangélicos não irem ao pescoço do então ministro): ora o kit estava ok, ora estava em produção, ora estava sendo reavaliado, ora não era definitivo, ora seria refeito, ora Dilma viu o material errado, ora o kit foi vetado por trazer filmes "inadequados". Em suma, no máximo, má-fé. No mínimo, incompetência, por parte, inclusive, da senhora "presidenta" - que, ao menos, deveria ter solicitado assistir ao material correto, se fosse o caso.

3- O fato narrado em "2", no entanto, não autoriza Serra a fazer da homofobia sua plataforma de campanha. Ao se juntar a Malafaia e fazer acusações injustas ao material - que, graças aos céus, foi vazado na internet -, está alçando a homofobia a estrela de campanha, buscando atrair eleitores conservadores pela mobilização do ódio e da desinformação. Por mais que Haddad tenha sido incompetente na gestão do kit, isso é comparativamente muito pior. Uma decepção sem tamanho, já que o histórico de Serra inclui o combate à homofobia (vide a CADS, o kit anti-homofobia distribuído pelo PSDB e mesmo pautas caras aos gays, como a questão dos antirretrovirais para o tratamento de soropositivos).

4- Com Malafaia fazendo eco à campanha homofóbica de Serra, cresce o desejo de ver seu candidato derrotado nas urnas. É triste dizer isso, mas entre o candidato de Edir Macedo (Russomanno, já derrotado), Malafaia (Serra) e Maluf (Haddad), o de Maluf é o menos pior. Esses evangeloucos, ministros do ódio, conseguem justificar até o Maluf!

5- Espero que Haddad, se eleito, faça uma prefeitura tão boa quanto foi a de Marta Suplicy e, mais livre da influência da traidora Dilma (já que não trabalhará para ela diretamente), honre seu comprometimento com a comunidade LGBT e com a democracia, deixando essa incompetência em relação ao kit no passado.


Sobre a ONG e o plágio
De resto, a ONG Ecos não tem nada a explicar, gente.

Eu já trabalhei na ONG. Eles são supercompetentes, trabalham com questão de sexualidade e gênero faz muito tempo, e simplesmente, a biblioteca deles fui eu e meu ex-namorado que organizamos. Enquanto isso, o banco de dados que eles usavam para o gerenciamento interno fui eu que desenvolvi.

Tive, portanto, a chanc
e de acompanhar o trabalho deles bem de perto. A ONG, reafirmo, jamais produziria um material que pudesse ser acusado de "induzir" ninguém a qualquer orientação sexual.

O que acontece é simplesmente uma adequação de conteúdo à necessidade do cliente: no caso, o MEC. E não vamos ser Pollyanas, essa necessidade passou pela adequação à agenda fundamentalista e a tornar "mais soft" a produção para não excitar os brios da bancada religiosa.

Não funcionou, e Dilma, numa tentativa de manter intacto o pescoço de Palocci, deu o kit em moeda de troca aos evangélicos, que, pela boca de Garotinho, haviam ameaçado o ex-ministro. Não funcionou: ficamos sem kit, e ela sem Palocci. A gestão de Haddad em todo o processo foi deficitária, como esclareci acima. Por fim, ele agora admite que vetou "junto com" a "presidenta".

Enquanto isso, o kit era tratado como segredo de Estado, não teve a divulgação que o movimento LGBT havia pedido e qualquer coisa que se dizia sobre ele, inclusive a pataquada evangélica-Bolsonaro, passava por verdade. O MEC só começou a se pronunciar de fato sobre a questão quando o assunto se tornou irresistível e começaram a vazar as produções na internet. Foi, inclusive, aí que soubemos que o kit era destinado aos professores, e não aos alunos, lembram disso? Eu, sim.

Agora, a gestão vergonhosa dessa história por Haddad, reafirmo, não justifica o posicionamento de José Serra, que, cada vez mais unido aos religiosos da estirpe malafaica - malvistos até por outros evangélicos mais esclarecidos - fez do kit, aprovado pela UNESCO e produzido por uma ONG competente, uma estratégia de campanha a promover o ódio homofóbico e atrair o voto conservador pela prática da desinformação. Até mesmo dizer que o kit era destinado aos estudantes e que induzia o (sic) homossexualismo às crianças é errado e mentira, já que a ONG Ecos não plagiou nada. Foi ela mesma que esteve à frente do kit tucano, não sendo possível plagiar alguém a si próprio: confiram nas notícias que têm surgido sobre a questão.

Além disso, não há nada que indique que um mesmo filme não possa ser usado em dois materiais distintos para clientes distintos e com objetivo semelhante, o combate à homofobia. Se "Boneca na Mochila" ajuda nessa questão no kit tucano, por que não ajudaria no kit do Haddad, se o objetivo é o mesmo? Porque mudou o cliente, a mensagem do filme se altera também? Claro que não. Os kits são diferentes, mas houve o reaproveitamento de algum material que atendia a ambas as expectativas.

Por causa disso, apesar de todas as críticas que tenho à gestão Haddad sobre o assunto e mesmo considerando Dil-má traidora (ela não leva mais meu voto nem para síndica de prédio), considero Haddad menos pior que Serra nesse momento para gerir São Paulo. Sem falar do gosto pessoal que eu teria em ver o candidato do "kit gay" e do ódio a ele dedicado por Silas Malafaia ganhar a eleição.

O histórico de Serra, vale dizer, depõe a seu favor. Serra criou a CADS em São Paulo, teve atuação positiva junto à Parada Gay e, no que diz respeito ao tratamento para soropositivos, é irretocável. No entanto, não estamos falando apenas de passado, mas de futuro. Apesar de suas ações no passado, será possível encontrar algum bom sinal em quem abraça o apoio malafaico de tão bom grado e faz uso da homofobia de forma tão descarada para se eleger, em um futuro próximo?

Lembremos que Marta Suplicy, malgrado seu enorme apoio, e histórico, à comunidade LGBT, foi punida nas urnas por tentar uma manobra semelhante. Lembram-se da história do "Kassab é casado?", e como isso pegou mal eu entre nós? Eu, sim - e critiquei abertamente a Marta à época, mesmo sendo seu eleitor confesso. Se Marta foi punida, por que não punir Serra, considerando que seu uso de argumentos homofóbicos é agora muito mais extenso, expresso e declarado que o da ministra da Cultura?

Vale dizer, por sinal, que não é a primeira vez que Serra faz esse imbróglio na eleição. Na eleição presidencial, trouxe à tona o tema do aborto que, no fim, acabou acuando a ele próprio e a Dilma no paredão fundamentalista, para depois descobrirmos que Monica Serra praticou, ela mesma, um aborto? Lembram disso? Eu, sim: não me esqueço das coisas facilmente, embora alguns petistas mais radicais me acusem de ser "inocente".

Agora, vem Serra trazer o kit como estratégia homofóbica de campanha e descobrimos que, no período antes de ele se render às trevas evangélicas, produziu um kit semelhante com auxílio da mesmíssima ONG... A história se repete.

Uma pena que tenhamos chegado a isso. Por algum tempo, namorei Bruno Covas como opção à Prefeitura de São Paulo e até estive presente a uma reunião do Diversidade Tucana com o então pré-candidato. Infelizmente, o PSDB errou ao ressuscitar José Serra, que, desesperado e fazendo coro aos homofóbicos, deve agora pagar o preço por ter, também, nos traído - e renegado seu passado.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

De cinema à Igreja Universal, Cine Odeon é sauna gay em BH


Nas décadas de 1910-20, os cinemas eram muito populares em BH, e somente na zona leste da capital mineira, em um circuito de menos de 2 km, havia 6 deles, e o mais famoso era aquele que, em 1906, fazia a exibição de suas películas no maior teatro da recém-nascida capital mineira, o Teatro Paris. Em 1912, este foi rebatizado de Cine Odeon- importante referência para a vida cinematográfica da cidade, sobre o qual o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu.

Em 1990, o Cine Odeon exibiu um de seus últimos filmes: Ghost- do outro lado da vida, quando deu o lugar de suas instalações ao templo da Igreja Universal do Reino de Deus, espaço que funcionou como franquia do Edir Macedo até o ano de 2009.

Em 2009, o local, que é tombado pelo patrimônio histórico da cidade, começou ser utilizado pelo grupo dos mesmos donos do site de pegação gay Manhunt.com, que são americanos, e transformou o antigo Teatro Paris em uma sauna gay para a classe média de Belo Horizonte, com um diferencial das instalações que são bastante espaçosas.

Hoje, BH volta ter um espaço para o lazer- distante da proposta inicial-, mas que cumpre com satisfação o intuito de dar a metrópole espaços diferenciados e sem o clientelismo da fé que satura o Brasil e forma massas de ignorantes.

 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Entre sapiossexuais e assexuais

Sapiossexual? Assexual?

O que têm a dizer as "novas" sexualidades saídas do armário recentemente


por João Marinho

Que me perdoem os assexuais e os novíssimos "sapiossexuais", mas devo dizer que, do meu ponto de vista, essas "novas" sexualidades não têm realmente muito a dizer.

O que vejo acontecer hoje é que virou uma festa. Antes, era fácil: existiam os homossexuais, os heterossexuais, os bissexuais e até podemos admitir os pansexuais, conforme tenham atração pelo mesmo sexo, sexo oposto, ambos os sexos ou outros tipos de atração que comportem a fluidez e/ou a transição entre os gêneros.

Recentemente, os assexuais saíram do armário e têm tencionado um reconhecimento da assexualidade como uma verdadeira "quarta" orientação sexual à parte – se desconsiderarmos a pansexualidade. Dizem os assexuais que não têm interesse por relações sexuais, o que os diferenciaria dos héteros, homos, bis.

É verdade que, há um certo tempo, já se sabe que hétero, homo e bi são tipos ideais. Como tenho defendido, não existe entre eles fronteiras: existe um degradê, e há pessoas que ficam entre as cores intermediárias, difíceis de encaixar nas três orientações clássicas. Os exemplos são muitos, do homem que curte exclusivamente travestis à travesti que se relaciona com mulheres exclusivamente.

No entanto, este não é o caso da assexualidade. Se formos pensar no que diz a proposta dos assexuais, a ideia é que o "a-" representa a ausência de interesse por relações sexuais, que estariam no bojo das outras três orientações clássicas.

É aqui que a porca torce o rabo.

No fundo, com esse entendimento, os assexuais estão promovendo um retrocesso a tudo que a psicologia tem estudado e construído a respeito da complexa sexualidade humana e, para nos mantermos no tema, a respeito das orientações sexuais.

A primeira delas diz respeito ao conceito de sexualidade: um conceito amplo, que passa pelas sensações físicas provocadas por diferentes estímulos e vai até o ponto de conter as próprias orientações sexuais em si. Adultos têm sexualidade. Idosos têm sexualidade – mas, vale dizer, crianças também têm sexualidade, ainda que seja difícil determinar, nas mais tenras idades, qual seja sua orientação sexual.

O caso clássico das "fases sexuais", trazidas pela psicanálise, é aqui interessante. Quem nunca ouviu falar das fases oral, anal, genital... Que marcam o desenvolvimento do ser humano? Ora, a criança que está na fase oral está exercitando sua sexualidade, que difere da do adulto, ainda que não seja possível, ou muito difícil, determinar sua orientação sexual.

Essa verdade indica o óbvio, se o leitor acompanhou meu raciocínio: sexualidade vai muito além do ato sexual genital, do aquilo naquilo. Dentro desse espectro amplo da sexualidade, insere-se a orientação sexual, com o que se compatibiliza.

Com efeito, vamos manter um exemplo, uma pessoa é hétero se tem atração/desejo pelo sexo oposto. Ora, compatibilizando esse fundamento à noção ampla de sexualidade, é evidentemente que essa atração/desejo não se esgota no ato sexual, nem mesmo no desejo de realizá-lo. O desejo, aqui, deve ser tomado em uma acepção igualmente ampla, na qual o ato sexual se insere, mas que não se esgota nele e chega, inclusive, a abarcar a afetividade. Ninguém é hétero porque "transa" exclusivamente com alguém do sexo oposto: a pessoa "transa" exclusivamente com alguém do sexo oposto porque é hétero.

Tendo isso como pano de fundo, não é difícil chegar a seu resultado lógico: o ato sexual é resultado da orientação sexual, e não seu determinante. Mais ainda: pela própria amplitude do conceito de sexualidade e, compatível com ele, orientação sexual, esse ato sexual (= genital) pode ser resultado da orientação... Ou não.

Dito isso, por que a proposta dos assexuais é um retrocesso? Porque, indo na contramão da psicologia e de todo o conhecimento científico acumulado até agora, identifica a relação sexual com a orientação sexual, quando a segunda inclui a primeira, podendo esta ser seu resultado ou não. Em suma, para o assexual, o hétero é hétero porque "transa" exclusivamente com alguém do sexo oposto. É um erro conceitual, que cheira a naftalina e não faz jus ao conceito de orientação sexual.

Desse ponto de vista, portanto, a suposta assexualidade, excluindo-se os casos em que se instalou por traumas, não é uma "quarta" orientação sexual. É tão somente um dos resultados possíveis das três orientações sexuais clássicas, no que diz respeito ao ato.

Retomando o exemplo do heterossexual, existirão aqueles héteros que mantêm relações sexuais, os héteros que as mantêm em excesso (satiristas ou ninfomaníacas) e os héteros que não mantêm qualquer relação ("assexuais"): havendo atração pelo sexo oposto, e tomando essa atração ou desejo em sua acepção ampla, que inclui a afetividade – amor Eros –, a pessoa é hétero. "Transar" ou "não transar" é apenas um detalhe.

Não deixa de ser, aliás, comum observar que os assexuais mesmo dizem que não gostam do sexo em si, do ato em si – mas gostam do carinho, do afeto, do companheirismo e até do toque (não genital ou erotizado) de companheiros, com quem se envolvem, se apaixonam e gostam de dividir suas angústias e sentimentos. Lamento dizer: mas isso não é assexualidade. É a mesma velha e conhecida sexualidade humana, com a única diferença de não resultar ou não levar ao ato genital.

Assim, o "assexual" que dispensa esse tipo de carga emocional, desejo ou atração para o sexo oposto, por exemplo, não é assexual. É um hétero, tanto quanto aquele que transa, porque a transa é só um detalhe no conceito de orientação sexual, e, mais ainda, no conceito de sexualidade.

A mesma lógica vale para os agora autodeclarados "sapiossexuais". Ora, a inteligência e os valores são "afrodisíacos" tanto quanto podem ser determinados atributos físicos, como a cor do olho ou presença de pelos. Alguns darão aos primeiros mais peso. Outros menos... Mas fica a pergunta: ao buscar a inteligência da pessoa para determinar quem será meu parceiro, eu gostaria que ela fosse do sexo oposto? Então, lamento dizer: você é hétero – e não "sapio". Afinal, quem foi que disse que sexualidade, atração, desejo, orientação se esgotam em sua dimensão física?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Gays homofóbicos

Gays homofóbicos
Uma verdade inconveniente

por João Marinho

Já devo ter dito que não dou apoio à "tese" de que homofobia é coisa de gay enrustido. Embora haja duas pesquisas que apontam isso, elas apontam hipóteses – e autolimitadas ao público e cultura estudados (faixa etária, localidade, etc.), segundo os próprios pesquisadores, e aos algoritmos que selecionaram alguns dos vários tipos de homofobia.

Politicamente e realisticamente, o discurso é também perigoso. Joga nas costas dos gays a culpa pelo próprio preconceito que sofrem e pelas agressões de que são vítimas, não explica a homofobia que parte das mulheres, despreza os inúmeros fatores culturais e religiosos que dão suporte à ideologia homofóbica e isenta, por tabela, os heterossexuais de toda e qualquer responsabilidade, como se fossem todos anjos de candura e inofensivos.

Isso simplesmente não procede.

No entanto, existe uma verdade inconveniente que, por sinal, ajuda também a mostrar o quanto essa "tese" é falha: existem gays homofóbicos, alguns dos quais abraçaram, ainda que de forma enviesada, a sua sexualidade. Em suma, "enrustimento" e homofobia não andam lado a lado.

Deixemos, porém, essa questão para outro momento, pois quero me centrar nessas "estranhas figuras". Os gays homofóbicos. Você sabe qual é o discurso que eles têm?

Iguais e diferentes
Basicamente, é o mesmo dos não gays homofóbicos. Como em outras realidades de homofobia, há níveis e, no máximo, "atenua-se" alguma coisa. No entanto, o substrato é igual.

Entre os gays homofóbicos que são mais radicais, e geralmente e inicialmente direcionam a homofobia para si próprios, os argumentos vão de que a homossexualidade é antinatural e até os religiosos, como o de "não ser de Deus" à "teoria" de que é fruto da influência de algum demônio.

Esses vão acabar buscando "se curar" ou "se livrar" da homossexualidade – e aí vão lotar os consultórios de Marisa Lobo & Cia. ou programas da Exodus e entidades semelhantes de "ex-gays".

Esses gays mais radicais e homofóbicos vão também a cultos de libertação, a "aconselhamentos", a sessões de exorcismo e vão até se casar e ter filhos, tudo na busca para "sair" daquilo, ou "controlar" – e nem é raro que vejam o casamento como uma "tábua de salvação".

Muitas mulheres, especialmente as religiosas, apoiam essas ideias – e não ficam sabendo que, como o desejo é difícil de ser reprimido, fatalmente, mais tarde, buscarão homens, vivendo uma realidade dupla e infeliz.

Num segundo momento, eles se voltam contra os gays assumidos e felizes. Para eles, soa absurda essa opção: todos os gays deveriam, como eles, "buscar o bom caminho" e procurar se "converter" à heterossexualidade e à norma hétero de vivência afetivo-sexual, qualquer que seja ela.

Nessa fase, também não é incomum começarem a adotar outros discursos do opressor, como criticar a vida gay por ser "promíscua", "não gerar filhos", "ser cheia de álcool e drogas", culpar os gays por terem pegado HIV e disseminado a aids, etc. – tudo para justificar por que a homossexualidade é uma "vida desgraçada" a não ser seguida.

Moralismo
Existe também outro tipo de gay homofóbico bastante comum. Esse é o que até adota a sua sexualidade. Na minha experiência, acaba sendo um dos desdobramentos dos mais radicais, mas com outra solução. Se mantivermos essa tese, são aqueles que, depois de um tempo, não buscam mais o processo de cura, reversão – e admitem se relacionar com homens, mesmo que na vida dupla que mencionei mais atrás.

No entanto, não demora a vir a homofobia, de forma mais velada, num discurso conservador.

Terminantemente no armário, esses gays criticam os que dali saem e "expõem sua sexualidade". Dizem que "não é necessário se assumir" (porque, afinal, "héteros não se assumem"), que "contar pra família só trará desgosto", que beijar em público é "desrespeitar idosos", que fazer carinho na frente de crianças "pode influenciá-las e não deve ser feito", que exibir casais gays na tevê é "desrespeitar a família" e daí por diante.

Inclusive, apoiam os não gays homofóbicos e os gays do primeiro tipo com esse mesmo discurso. Chegam até mesmo a achar que "movimento gay é besteira" e que "casamento deve ser mesmo só entre homem e mulher".

Fatalmente, desse discurso deriva uma veia moralista. Aí, passam a criticar a parada gay porque é "orgia a céu aberto", gays mais femininos "porque não é porque é gay que é para ser mulher".

Detestam as drags, "que só trazem vergonha", e também as travestis "porque elas não se aceitam e querem ser o que não nasceram para ser". Também detestam "o meio gay" (seja lá que sentido deem à expressão), que, para eles, "só tem p*taria". Se topam um relacionamento, tem de ser um namoro tipicamente moralista, porque se consideram "diferentes" dos "outros gays, que só pensam em sexo".

Culpa da vítima
A rigor, o que há de comum, na verdade, é associar a homossexualidade a algo necessariamente negativo ou indesejável. Pode ser desde uma doença até um problema espiritual, de algo antinatural até motivo de vergonha (e "com razão") para os pais.

Para além disso, há uma crítica a qualquer comportamento gay que soe como uma liberação e exposição do que deve ser, irremediavelmente, vivido por baixo dos panos para não "desrespeitar" ninguém (leiam-se: héteros homofóbicos).

A coisa é tão séria que há até os que põem nas vítimas de agressão homofóbica a culpa por serem agredidas... Porque, "se fossem discretas" ou se "não transassem com qualquer um", "nada disso aconteceria".

Você já conheceu algum gay desses dois tipos? Se sim, acenda seu alerta. Ele é um gay que não conseguiu deixar a homofobia cultural e social de lado.

domingo, 12 de agosto de 2012

Seria Raí homofóbico?


Um assunto delicado, diria eu: “por demais!”, obviamente que os matizes envoltos nessa questão vão para muito além de uma primeira taxatividade:  é homofóbico!


Ainda, não se pode esperar parcimônia, no caso, de quem sofre a acusação, até mesmo, pelo direito de indignação à violação da privacidade.

Claro que o assunto rendeu, aliás, se alguém disser gay, sempre rende! Isso pelo fato da homossexualidade ser tabu e, em si mesma, ser carregada de preconceitos construídos ao longo da história, em particular, história do judaísmo e cristianismo.

Desta feita, dizer-se gay não é lá uma coisa muito simples... Só de pensar que foi em 1992 (histórico recentíssimo), que a Organização Mundial de Saúde deixou de considerar os gays como portadores de doenças ou distúrbios patológicos, nos ajuda vislumbrar o quão difícil e complexa são tais questões. Ainda, nesse mesmo sentido, toda construção social de mais de dois mil anos de história, em que os homossexuais são perseguidos pela Igreja  como corruptos, depravados, criminosos, sujos, pecadores, desonrados, blasfemos, vem fazendo, de tais conceitos, o parâmetro medidor e mediador da aceitabilidade e rejeições internas no corpo social.

Assim, por questões próprias também, digo: ninguém gosta de ser chamado de gay! E isso por quê?

Lembro-me, quando liguei para o João Marinho, em uma quinta-feira, provavelmente na hora do almoço (história recente essa, salvo engano, ano passado!), pois no clube que eu frequento, em uma discussão acalorada, fui chamado de gay e fiquei extremamente abafado e angustiado. Duas coisas a se considerar: 1) eu sou gay mesmo; 2) ser nomenclaturado por alguém, que usa do artifício social de rejeição, desse grupo societário, para expor o outro ao ridículo, ou invadir questões de foro íntimo e pessoal não é sensato, licito ou moral!

Voltemos, então, para o Raí:

Em uma bela manhã, Raí acorda e se depara com a notícia, via jornais: Bomba! Jogador Raí assume romance gay com apresentador da Globo, ou ainda, com amigos que ligam e o indagam: “e aí Raí, pegando o Zeca Camargo, hein, quem diria, por que você não falou nada para gente antes?

Deve ser bastante confortável tal questão, da noite para o dia você ter sua vida exposta de forma pejorativa, pois a homossexualidade, gostem ou não, no meio social, é símbolo de preconceitos e tabus fortíssimos; símbolo de rejeição e chacotas;  símbolo de ignomínia e perversão e, de repente, agora nem mais cobrar uma postura responsável e honesta, de quem fez o que fez, é algo viável ou possível, pois alguns militantes consideram que uma reação de indignação seja ela HOMOFOBIA!

Ao meu sentir, quem pensa assim, pensa precipitadamente... Quando uma prostituta é chamada de prostituta (por quem for), ela pode processar, inclusive, criminalmente por difamação a pessoa que lançou tal impropério. Perceba, mesmo ela sendo prostituta! Afinal, o termo prostituta usado com o intuito de desonrar alguém, ou atingir a intimidade sexual de alguém de forma vexatória é crime! Da mesma forma a questão de chamar alguém de gay, de homossexual, com o intuito de expor a condição intima de um cidadão de forma a desqualificá-lo diante da opinião pública.  

Não foi o Raí que inventou a rejeição social dos gays, nem foi ele que caçou confusão com os mesmos, pelo contrário, envolveram-no em uma situação surreal,  expuseram-no de forma acachapante em uma questão em que há dois mil anos ter seu nome associado a tal grupo traz constrangimentos mil, e só por isso, há milhões de gays pelo mundo vivendo no anonimato, na clandestinidade da orientação sexual, com medo de serem expostos e terem que enfrentar o preconceito, a rejeição, a humilhação de algo íntimo e PERSONALÍSSIMO, que não diz respeito a ninguém!

Portanto, NÃO, RAÍ NÃO É HOMOFÓBICO por processar ninguém, ele só faz uso de seu direito de não querer ter sua vida exposta, ou seu nome usado em questões em que ele não consente, independente de ser a noticia falsa ou verdadeira. É direito de Raí não querer esse tipo de assunto relacionado à sua pessoa, pelo direito pessoal, intransferível, irrevogável, íntimo, que só diz respeito a ele e a ninguém mais! 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Religião versus ateísmo


Religião não define caráter. Ausência de religião também não

por João Marinho

Que me recorde, a discussão e o embate entre religião e ateísmo não resvala no caráter particular das pessoas.

Exemplos de religiosos que se comportam como pessoas de bem existem aos montes. De ateus intolerantes também - e vice-versa. Eu mesmo faço parte de uma família evangélica, e não a considero a pior do mundo (pelo contrário).

A disputa entre religião e ateísmo é uma disputa essencialmente ideológica e de escolha para o melhor caminho no que tange à defesa dos direitos humanos e da liberdade pessoal e científica.

Tem a ver com a discussão se é necessária a existência da fé religiosa, de uma ou mais entidades invisíveis, para definir o que é moral no ser humano - em vez de delegar à liberdade do espírito humano e a um pacto social a prerrogativa de definir essa moralidade.

Tem a ver com a discussão se é necessária a existência da fé religiosa, de uma ou mais entidades invisíveis, para guiar os preceitos e limites da ciência, em vez de delegar ao humanismo a prerrogativa dessa definição.

Tem a ver com a discussão se é a religião que deve ser usada como parâmetro para decidir sobre os direitos de minorias, grupos outsiders e temas polêmicos, ou se devemos contar com o embate ideológico-político baseado nas leis laicas para fazê-lo.

Finalmente, tem a ver com a discussão se é necessária a existência da fé religiosa, de uma ou mais entidades invisíveis, para ajudar o ser humano a lidar com suas dores e seus desafios, em vez de contar tão-somente com o conforto que a natureza, limitação e solidariedade humana podem oferecer.

É essa a discussão.

Os ateístas essencialmente defendem que a humanidade pode prescindir da religião - na qual não acreditam - e determinar por si própria, sem a anuência de um Deus, seres sobrenaturais ou leis ininteligíveis, o melhor caminho para traçar a moralidade, os direitos, os limites da liberdade pessoal e científica e do conforto frente às adversidades. Para os ateístas, malgrado eventuais contribuições da religião, esta, na maior parte das vezes, age como entrave e o avanço nesses tópicos seria mais rápido e efetivo se a humanidade dela prescindisse.

Já os religiosos defendem que a ideia de Deus ou outros seres é essencial, pois, não apenas por eles existirem, é deles que derivam as leis máximas do universo, a melhor forma de determinar os limites, a moralidade, a liberdade e o conforto - e que prescindir disso significa não apenas virar as costas para uma realidade objetiva, mas também ser punida a humanidade por fazê-lo. Nisso, criticam os ateus, porque sua forma de pensar seria o prelúdio dessa "queda humana", já que, diferente daqueles, não consideram que o ser humano possa ser de todo independente.

É esta a discussão, e, mesmo não sendo ateu, eu considero que a posição ateísta tem mais fundamento, no sentido de que a humanidade é capaz de caminhar por si própria sem a prerrogativa de livros sagrados ou seres a quem consagrar respeito especial. Também não acredito que a religião seja necessária para ensinar ao ser humano o que é bom, justo, moral e de valor - sendo que, quase sempre, ao fazer isso, a religião traz no bojo determinados preconceitos, sobretudo contra outras religiões, além de considerar o argumento do entrave como verdadeiro.

Assim, imagens como a acima, que não têm nada a ver com o embate maior entre as duas ideologias e comparam tipos diferentes de seres humanos com base em sua fé ou em sua ausência de fé (religiosa), são apenas uma tentativa débil de nublar a verdadeira discussão.

Afinal, se a religião não define o caráter, a ausência de religião também não. Fosse o mundo majoritariamente ateu, casos como o de Slobodan seriam condenados pela maioria. Fosse o mundo ateu, casos de religiosos humanitários ainda seriam louvados. A questão era saber se, sem religião, seria possível combater os males do primeiro grupo e promover as benesses do segundo. Os ateus acreditam que sim. Eu também.

Vale a pena não perder o foco e não nos deixarmos levar por essa propaganda teísta, cujo único propósito é jogar uma cortina de fumaça sobre o que realmente está sendo discutido alhures.

Sexual-socialismo: pegação, amizade, promiscuidade e companheirismo

"SEXUAL-SOCIALISMO"
Vivência gay em uma praça guarulhense, ou vamos falar de pegação?

por João Marinho

As pessoas que leram minha miniautobiografia (http://gospelgay.blogspot.com.br/2011/11/nao-e-facil-ser-gay-mas-eu-ainda.html) , que foi reproduzida em sites e blogs – como o Pará Diversidade, o Diversidade Barueri e o Fora do Armário – e conta como me descobri gay e por que, apesar de todas as dificuldades, ainda escolheria sê-lo, devem se lembrar de que, no começo dessa descoberta, eu pensava que gays eram pessoas que viviam apenas à noite, esgueirando-se por becos esfumaçados semelhantes aos existentes em Nova York.

Com o tempo, claro, conheci outros gays e vi que isso não tinha nada a ver. O excerto relata o seguinte: "tive a sorte de ir conhecendo outros gays e vi que, como eu, eram pessoas que trabalhavam, estudavam, tinham famílias... Muitos namoravam, e eram devotados àqueles que amavam. Viviam durante o dia. Nada de becos noturnos esfumaçados".

O que muitos talvez desconheçam seja onde eu conheci boa parte desses gays que tanto impactaram minha visão. A resposta é a Praça IV Centenário, em Guarulhos (SP), um antigo "point" de frequência gay destinado à "pegação" e "caçação" – mas não só, como vocês lerão a seguir.

Nomes de guerra
Na verdade, embora não tenha se iniciado lá, minha formação sexual se deu, em larga medida, convivendo com os gays da Praça IV Centenário – e eles não eram poucos. Certa vez, fizemos uma lista, de brincadeira, e foram arrolados 97 "habitués".

Quase todos tinham "nomes de guerra" femininos, pelos quais nos tratávamos. Em boa parte das vezes, eram versões femininas dos nomes reais. Assim, o Gilson era Gilsete; o Ademir, Mirete; o Carlos, Carlota; e o Claudinei, Claudineia.

Alguns, porém, recebiam nomes que não tinham nada a ver com isso. O Marcos, por exemplo, era Beatriz; o Ronaldo era a Rodomoça, já que trabalhava em uma empresa de ônibus; e o Ezequiel, que sempre passava na praça após suas aulas no colégio, era a Normalista – que, com o tempo, eu reduzi e passei a usar Norma, hehehe.

Outros tinham direito até a sobrenomes. O Paulo era Paulete Bolacheira – e, às vezes, o sobrenome vinha do nome de drag, como alguns eram, ou surgia para diferenciar de outros com nomes reais idênticos.

Havia, por exemplo, três "Joões". O mais baixinho era a Joaninha. O outro, Joana DeVille, uma vez que trabalhava no Hotel Deville. Eu era a Joana d'Arc.

Segundo a Gilsete, o motivo do sobrenome era a forma como eu então "caçava" parceiros. Escolhia a "vítima" de um grupo, mandava sinais como uma flecha, e o moço fatalmente vinha até mim. Nunca fui de tomar a iniciativa, ativamente falando.

O uso desses "nomes de guerra" era tão intenso que, por vezes, era difícil lembrar ou mesmo saber qual era o real. "Ah, ontem eu vi o Marcos". "Que Marcos?!". "A Beatriz". "Ah, sim" (risos).

Mesmo hoje, embora me lembre claramente dos rostos da Isabel, da Chiquitita (era o mais baixinho de nós!) e da Arrochadinha, não consigo me recordar dos nomes masculinos reais "delas".

Soma-se a isso uma dificuldade adicional: a de que os nomes masculinos reais nem sempre eram tão reais assim. O Pyter não nasceu Pyter. O Nando nunca se chamou Fernando, nem o Cléber era Cléber.

Pensando bem, talvez essa coisa dos nomes fosse uma forma de "trocar de persona". Não era segredo para ninguém que muitos não eram assumidos fora dali. Na praça, entre semelhantes, podíamos ser quem nossas famílias, às vezes religiosas, e colegas de trabalho não sabiam que éramos. O curioso é que lembro que alguns mostravam isso até fisicamente: o andar mudava tão logo cruzassem os limites da praça (risos).

Atendimento
Além dos habitués, havia os "clientes", numa nomenclatura minha, que tomo a liberdade de usar. Esses eram os homens que passavam por lá em busca de sexo, a pé ou por carro. Transeuntes, com quem geralmente ocorria a "pegação".

Embora houvesse "clientes" gays, penso que a maior parte deles não era. A sexualidade masculina, aprendi na praça, é mais flexível do que supõe a maioria.

Certamente, alguns eram bis e até adotavam essa identidade – mas outros tinham uma identidade hétero, uma vivência de acordo e passavam por lá apenas para "se aliviarem" com alguém que soubesse, por exemplo, fazer um bom sexo oral. Não era nada incomum que fossem casados (com mulheres). Seriam aqueles que hoje o Ministério da Saúde chama de HSHs (homens que fazem sexo com homens).

De verdade, porém, isso era o que menos importava. Era fácil perceber e saber que os habitués eram gays, mas os "clientes", pouco importava o que fossem, desde que garantissem bons momentos de prazer.

Havia alguns lugares propícios para o "atendimento", como falávamos à época. O mais comum era o banheiro do lado leste da praça, onde costumávamos nos concentrar – a IV Centenário é bem grande. À tarde, a melhor opção era o Cine Flórida, cinema pornô que ainda existe nas imediações.

Os que vinham de carro e os que os preferiam corriam para a "Rua das Camisinhas", paralela à Via Dutra e tomada quase que totalmente por um terreno baldio murado. Ali, as coisas aconteciam geralmente dentro dos carros mesmo, ou, para os mais corajosos, ao ar livre, perto de uma árvore cujas folhagens vinham até o chão. Atrás da distribuidora Liquigás, ou a mata próxima ao rio, do outro lado da Via Dutra, eram também locais populares.

Por fim, havia também os "noias", rapazes que, às vezes, eram usuários de drogas e realizavam pequenos furtos – mas que também protegiam os habitués gays até de outros ladrões, já que, é claro, a vida gay na praça acontecia à noite. Bastava ter com os noias uma convivência amistosa, do tipo dar alguns trocados de vez em quando, comprar um lanche, fazer um oral...

Aliás, justamente por isso, dificilmente eles mesmos nos roubavam, porque "éramos 'trutas'". Melhor coisa para um habitué novo era andar com os mais antigos. Os noias geralmente não os incomodavam porque fulano era amigo de sicrano, e sicrano "era 'truta'".

Sexual-socialismo
Para além disso, porém, o mais interessante é que nós, os habitués, vivíamos em uma espécie de "socialismo sexual". Entre nós, havia laços de coleguismo e amizade, mas isso não se refletia em exclusivismos sexuais.

Às vezes, nos "pegávamos" entre nós, mas, como já disse, geralmente "atendíamos" os "clientes". Alguns deles iam à praça com certa regularidade, e, mesmo sem fazer os laços de coleguismo/amizade mais fortes que caracterizavam os habitués, ficavam conhecidos, até por apelidos – não femininos. Era até possível que travassem amizade com um e com outro de nós e marcassem encontros fora dali.

No entanto, é preciso confessar que não era nada incomum que vários de nós já tivéssemos "atendido" o mesmo "cliente" – só que ninguém se importava com isso. Pelo contrário, nos ajudávamos. Se um amigo tivesse atendido o cliente X e, numa outra noite, ele quisesse meu corpo nu, o amigo me dava todas as dicas: do tamanho do membro ao que o "cliente" gostava e não gostava de fazer – e aí todo mundo se dava bem. Se houvesse perigo, isso também era dito.

Os namoros, lamento, não são um assunto sobre o qual eu possa tecer tantos comentários. Quando e se surgiam, surgiam entre os habitués, e, penso eu, tendiam a seguir um modelo mais "careta" – mas o mais comum mesmo era que ocorressem com não frequentadores. Na verdade, como eu já disse, muitos "clientes" eram casados. Também se sabia que havia habitués que namoravam, mas não se falava tanto disso. O status marital não era o que mais importava entre os dois grupos, afinal.

A verdade, porém, é que toda essa vivência não se resumia ao sexo. Para muitos de fora, provavelmente éramos apenas um "bando de viados" que se dedicavam "à linha banheirão" e não se respeitavam a si mesmos.

Certamente, era a opinião da Guarda Civil Metropolitana, que, para mostrar serviço, em vez de cuidar do patrimônio público, como devia, vivia "baixando" no banheiro depois de um tempo, tentando flagrar homens em pleno "ato obsceno".

Só que as coisas eram feitas com discrição. Não me recordo de nenhuma criança, por exemplo, que tenha visto qualquer coisa nos anos que passei ali, como gostam de arrotar os mais moralistas (até porque, o que uma criança estaria fazendo tarde da noite numa praça?) – e outra: os gays até mesmo cuidavam do banheiro, que a Prefeitura de Guarulhos negligenciava. Liderados pela Isabel, ou pela Gilsete, as mais velhas de nós, alguns traziam desinfetantes, rodos, vassouras e o limpavam em mutirões que ocorriam à luz do dia.

Para além dos laços de amizade e coleguismo a que me referi e que mesmo ultrapassavam os limites da praça, nós, habitués, também realizávamos "eventos" semelhantes a um piquenique de vez em quando: nós nos reuníamos, fazíamos uma vaquinha, comprávamos bebidas e sanduíches no mercado próximo e ficávamos lá, conversando, nos bancos da praça, ou em frente à "Rua das Camisinhas".

Havia, como se pode ver, uma verdadeira subcultura, "marginal", desconhecida das pessoas que frequentavam a mesma praça por motivos, entre aspas, "mais nobres". Incontáveis vezes, eu e muitos outros íamos à IV Centenário e ao entorno apenas para conversar mesmo, reencontrar os amigos, "dar pinta".

A "caçação" nem sempre acontecia, e, se acontecesse, não era a primeira intenção. Cansados ou sem vontade, às vezes, mesmo a dispensávamos. Aliás, alguns habitués que começaram a namorar chegaram a fazer isso. Foi, inclusive, meu caso.

Nesse ambiente, fiz meus primeiros amigos gays, alguns dos quais permanecem até hoje. Foram eles que me ensinaram muitos dos primeiros passos do sexo, falaram de camisinha (e, portanto, sexo seguro), "chuca" e otras cositas más não muito comuns em círculos, digamos, mais elevados. Alguns me aconselhavam – e também ajudei outros, com suas crises religiosas, familiares e até profissionalmente. Havia mesmo um quê de iniciação, em que os mais velhos e experientes transmitiam conhecimentos para os mais jovens.

Não era perfeito, claro, e, como toda aglomeração humana, até havia um ou outro desentendimento. Felizmente, porém, acontecimentos autolimitados.

Decadence avec elegance
Hoje, não existe mais a comunidade, que vivi intensamente lá pelos idos dos meus 18 anos e alguns bons anos depois. Alguns estabelecimentos foram erguidos no entorno da praça: hotéis, o Walmart, que comprou o terreno da "Rua das Camisinhas".

O banheiro foi transformado em depósito, a repressão da Guarda Metropolitana se intensificou e também houve uma deterioração da frequência, na minha opinião.

Com o tempo, recebemos muitos representantes de outras comunidades, como os a da ACM, o clube cheio de ruas desertas próximas no entorno do centro da cidade. Eles tinham outra cultura, de menos companheirismo. A região da ACM, que cheguei a conhecer, inclusive, era tida como perigosa.

Com eles, vieram novos comportamentos. Houve aumento dos furtos, dos "noias", que já não eram tão amigáveis. Alguns passaram a fazer ponto de programa – sem o devido profissionalismo –, dois até arranjaram "treta" com as travestis de outra comunidade, a do Posto Carreteiro.

Nisso, os mais antigos foram se afastando, os que vieram depois não lograram fazer os mesmos laços de amizade e coleguismo (brigavam muito, coisa de gay deslumbrado!), os "clientes" sumiram – e aí acabou.

Hoje, ainda há quem se encontre por aquelas paragens, mas há muito menos "caça" disponível e nem sombra do que antes fazíamos. Além disso, ficou bem mais perigoso.

No entanto, sempre me recordo com carinho daquela época, da qual guardo muitas boas lembranças. Meu psicólogo acredita que minha vivência na IV Centenário me marcou profundamente e está por trás das minhas ideias, digamos, mais liberais e libertárias sobre sexo e amor – e ao fato de que, mesmo com minha formação religiosa, o primeiro tenha uma cor lúdica e profana para mim.

Acho que ele tem razão, e é também por isso que me rebelo quando vejo gays com um discurso moralista e conservador, beirando o antissexo, fazendo coro àqueles que procuram sistematizar o prazer e controlá-lo – o deles e o de todos.

Entram aí daquele discurso dos que não reconhecem uma flexibilidade na sexualidade de muitos homens ("a partir do momento que fez isso, é aquilo") àqueles que se levantam contra sex clubs, "banheirões", "cinemões", "promiscuidade" e até paradas gays utilizando da mesma matriz moralista.

Isso sem falar nos que criticam de forma tão ferina qualquer vislumbre de efeminação ou "pinta" e que se atêm de forma excessiva ao físico e à juventude, como nas baladas gays tradicionais. Nem todos nós, ali, naquela praça, éramos lolitos com tanquinho, afinal.

São pessoas que, na minha opinião, não perceberam o potencial de viverem à margem de certos valores que não foram criados para nós – e que, justamente por isso, nos permite uma construção diferenciada e muito mais criativa.