quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O aborto, a religião e o oportunismo de Serra

Religiosos afirmam que debate sobre aborto é eleitoreiro

 

serra 12 de outubro de 2010 às 14:44h

Fonte: Carta Capital

Por Nubia Silveira*

- O senhor acredita em Deus?

A pergunta feita pelo jornalista Boris Casoy ao candidato Fernando Henrique Cardoso colocou a religião no centro da disputa pela prefeitura de São Paulo, em 1985, na primeira eleição direta municipal depois da redemocratização. Quatro anos depois, a ligação do candidato petista à Presidência da República com a Igreja Católica foi usada contra ele pelas igrejas não cristãs. Nunca, porém, a religião esteve tão no centro de uma campanha, como nas eleições presidenciais deste ano. Dom Demétrio, Bispo de Jales, no interior de São Paulo, presidente da Caritas e integrante da Comissão Pastoral Social da CNBB, afirma que o regime político teocrático já foi superado e que o momento atual representa um “retrocesso” para o país.

Em 1985, quando a internet ainda não dominava as comunicações, a notícia de que FHC era ateu espalhou-se rapidamente. Ele se recusara a responder a pergunta de Casoy, afirmando que esta era uma “questão de foro íntimo”. Em 2010, a campanha se intensifica nas redes sociais, com a discussão sobre o aborto. O assunto voltou à tona no primeiro debate entre os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), que disputam a presidência da República em segundo turno, realizado pela TV Bandeirantes, no domingo (10). Religiosos condenam a discussão sobre o aborto como ela vem sendo feita e a tacham de puramente eleitoreira.

O presidente do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) afirma que “há outros temas mais necessários para discutir, como a distribuição de renda, reforma agrária e violência”. Para o pastor sinodal Carlos Augusto Möller, o estado brasileiro é laico e, portanto, não interessa se o candidato acredita em Deus ou não, se é a favor ou contra o aborto. O que interessa é que ele cumpra com a sua função democrática de valorizar a vida e promover a justiça social.
Dom Demétrio Valentin se mostra estupefato com o que está acontecendo nesta campanha presidencial. A todo momento se pergunta “aonde chegamos?!”, preocupado com as sequelas que podem advir do debate sobre o aborto. “Esta eleição pode ser decidida pelo fanatismo religioso”, afirma Dom Demétrio, que considera esta possibilidade muito perigosa. O bispo de Rio Grande, Dom José Mário Stroeher, lembra que só a CNBB pode se pronunciar sobre as eleições e que ela não orienta os fiéis sobre em quem votar. Tanto Dom Demétrio quanto Dom José Mário se revelam indignados com religiosos que usaram o sermão para fazer propaganda contra um candidato e a favor de outro.

O caso mais lembrado é o do padre José Augusto que, durante a homilia, numa missa transmitida pelo canal católico Canção Nova, exortou os fiéis a não votarem na candidata petista Dilma Rousseff, afirmando que ela seria a favor do aborto. Dom José Mário afirma que a emissora já chamou a atenção do padre, que só pode ser punido pelo bispo da sua região. Dom Demétrio acredita que a CNBB terá de “fazer uma análise profunda” das atitudes de padres e bispos que fizeram campanha abertamente para um candidato. “Aonde chegamos?!”, volta a se perguntar, admirado com o momento político que o Brasil vive.
Assunto eleitoreiro – Os três religiosos estão de acordo: discutir aborto neste momento é uma atitude puramente eleitoreira. “É uma falácia. Estão querendo demonizar uma candidata”, alerta Dom Demétrio.

“Aborto é um assunto de saúde. E está sendo colocado agora para atingir a sensibilidade religiosa do eleitor”, afirma o pastor Möller. A campanha, segundo Dom José Mário, é caluniosa. “Um jogo rasteiro”. Eles alertam que as igrejas são a favor da defesa da vida, mas que defender a vida não é apenas ser contra o aborto. É oferecer saúde, educação, condições para uma pessoa viver dignamente.

Dom Demétrio acredita que, “infelizmente”, a discussão como vem sendo feita, acusando Dilma Rousseff de “matar criancinhas” (frase atribuída à mulher de Serra, Mônica Serra) pode deixar sequelas na sociedade. “O Brasil corre o risco de perder um de seus patrimônios que é a paz entre todas as religiões”, alerta. Para ele, “querem estigmatizar a Dilma” e “um candidato se coloca como o único defensor da vida”.

O presidente do Conic lembra que a criminalização do aborto é prevista no Código Penal de 1940. “O Código deve ser atualizado e o aborto precisa ser discutido. Mas não neste momento e nem da foma como está sendo feito”. O pastor Möller lembra também que Igreja e Estado estiveram unidos durante a Monarquia no Brasil, havendo a separação entre os dois poderes na República. A Igreja, no entanto, seguiu parceira do Estado, cuja a real função – diz o pastor – é atender as necessidades sociais do povo.

Positivo – Dom José Mário considera que “somando e dividindo, é uma discussão válida”, a do aborto. “Este não é só um assunto religioso, cristão, mas de ordem natural, da vida humana”, afirma. O bispo de Rio Grande acredita que o candidato precisa se posicionar sobre assuntos como o aborto, já que o Brasil é um Estado laico, mas não laicista, já que não exclui as religiões. O que ele não aceita é a forma como o debate vem sendo conduzido nesta campanha eleitoral.

O bispo acusa a interferência do poder econômico na campanha eleitoral, com “jornais de São Paulo e Rio de Janeiro, que pertencem a algumas famílias, assumindo o papel de oposicionistas”. Algo que não é correto, segundo ele.

Perdas – m 1985, a imagem de ateu colaborou para que FHC perdesse a prefeitura de São Paulo – apesar de ter sido até mesmo fotografado na cadeira do prefeito – para Jânio Quadros, que teve 2% a mais de votos do que ele. Em 1989, Lula perdeu a sua primeira eleição presidencial para Fernando Collor.

Os religiosos afirmam que a discussão atual não está sendo bem conduzida, mas esperam que o eleitor tenha discernimento na hora de definir o seu voto.

*Matéria originalmente publicada no Sul 21

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