segunda-feira, 15 de junho de 2009

Solano Portela e o genocídio homossexual

No site Mídia Sem Máscara, uma das últimas pérolas, do 'teólogo' Solano Portela, é questionar a ideia de que homossexuais sejam vítimas de enorme violência no Brasil. Usando de cortinas de fumaça e argumentos esdrúxulos, o teólogo tenta 'comprovar' que o que existe, de fato, é uma 'heterofobia' e uma 'distorção' da realidade a partir do governo 'petista', ferozmente atacado no citado site. Veja o artigo aqui.

Solano Portela tem razão?

Analisemos.

Bom, é claro que, como teólogo conservador que é, o Sr. Solano Portela é especialista em distorções. Afinal, que distorção maior pode haver em pregar uma religião que supostamente é baseada em paz e amor, mas se utilizar dos conhecimentos dessa mesma religião para justificar, ou minimizar a violência?

Portela é tão mestre no assunto que seu texto, postado em um site que se diz 'sem máscaras', convenientemente oculta informações relevantes sobre as estatísticas que tanto tenta combater, mascarando a verdade.

A primeira delas é, logo de cara, o motivo de existirem tais estatísticas. Solano usa o argumento do Professor Luiz Mott sem considerar o fundamento dele para dizer que, no Brasil, ser homossexual é mais seguro e que heterossexuais têm 40x mais chances de sofrerem violência.

Efetivamente, como demonstra o 'douto' teólogo, é possível chegar a essa conclusão matematicamente. Desde que se despreze o tipo de crime que o professor Luiz Mott utiliza para fazer sua base de cálculo, que é o crime homofóbico, e a fonte que o Mott utiliza em sua estatística.

Esclareçamos, portanto.

Em primeiro lugar, Mott contabiliza os crimes que são motivados ou agravados pelo preconceito de que homossexuais são vítimas.

Existe, portanto, um motivo para que o crime seja contabilizado na estatística: não é qualquer crime sofrido por gays ou lésbicas, ou, no que diz respeito ao que estamos discutindo, qualquer assassinato de que gays, lésbicas e afins são vítimas que entra nas estatísticas - mas aqueles assassinatos que são perpetrados pelos algozes tendo em vista a condição de homossexual da vítima.

Se um gay ou lésbica estiver, por exemplo, passeando pelo centro de São Paulo, e for vítima de um latrocínio comum, este crime não é contabilizado como crime homofóbico. Também não o é, se, por infortúnio, a pessoa morrer em um acidente de trânsito comum.

Coisa diversa é, no entanto, quando a pessoa é agredida e morta não porque o criminoso queria seu dinheiro: mas porque ela, sendo homem, estava de mãos dadas com o namorado, por exemplo.

Coisa diversa, conforme atesta a reportagem do Bom dia, Brasil, da Rede Globo, é ter uma bomba jogada de um edifício a fim de machucar participantes da Parada Gay. Muito provavelmente, pelo simples fato de serem gays e estarem naquela manifestação.

Outro crime que é contabilizado por Mott é aquele em que o fato de ser gay é um agravante para a violência. Lembremos do exemplo do latrocínio comum. O crime entrará na estatística se, ao perceber que a vítima é um LGBT, o criminoso, por isso, usar de violência descomedida.

A questão da motivação, portanto, é essencial para entender a estatística promulgada por Luiz Mott. Quando se diz que, a cada três dias, morre um homossexual no Brasil, não estamos dizendo que, a cada três dias, morre um homossexual porque se envolveu num acidente de trânsito, porque foi vítima de latrocínio comum, porque se envolveu numa briga de bar, discutiu no trânsito ou coisa semelhante.

Quando se diz que, a cada três dias, morre um homossexual no Brasil, dizemos que, a cada três dias, um homossexual morre no Brasil tão somente pelo fato de ser homossexual. E por nenhum outro motivo relevante.

Corrija-me, portanto, Solano Portela, ou qualquer outro. Mas, até onde sei, inexistem, em nosso País, casos de heterossexuais mortos pelas mãos de terceiros por causa de sua heterossexualidade.

Quantos héteros são agredidos, ou mortos, diariamente no País, porque beijaram suas esposas, por exemplo, e alguém na rua 'não gostou porque homem com mulher é contra as Leis de Deus'?

Pois é disto, e de nada mais, que estamos falando.

Até eu já passei por uma situação de estresse no metrô de São Paulo, porque estava de mãos dadas com meu namorado e me arrisquei a dar um selinho nele. Um homem enfurecido levantou-se da cadeira, nervoso e esbravejando porque estávamos 'desrespeitando sua esposa' - que, na verdade, ficou muito mais envergonhada com a atitude dele, a ponto de sair do trem escondendo seu rosto.

Pergunto ao Sr. Portela: quantas vezes ele passou por situação semelhante ao dar as mãos ou encostar os lábios em sua esposa? Ou, ainda, por carregar a Bíblia embaixo do braço?

Pois é disto, e de nada mais, que estamos falando.

Tanto é assim que a estatística de Mott utiliza-se da análise do modus operandi para se sustentar. Como foi a história, quem matou, por quê, a pessoa xingou, humilhou a vítima, em que termos, se mutilou de forma a punir a sexualidade do outro, etc. Não tenham dúvidas de que, se no meu caso particular, a coisa houvesse progredido até resultar em agressão e morte, seria um crime homofóbico e provavelmente entraria nas estatísticas do professor Luiz Mott. Afinal, qual foi a motivação? Um beijo gay.

Portanto, se esvai a tentativa do 'teólogo' de ocultar a verdade do assassinato de gays no País tendo como motivação a homofobia. Bem como a tentativa matemática, mas irregular, de 'provar' que é mais seguro ser gay do que ser hétero no País. Seria interessante ver o Sr. Portela procurar comprovar, na prática, seu argumento. Por exemplo, arriscando-se a sair com outro homem, como se gay fosse, e procurando ver realmente se estará 'mais seguro' e 'escapará mais' da morte, como quer 'provar'.

O segundo ponto que interessa destacar é que a estatística de Luiz Mott é baseada em artigos da imprensa. Erroneamente, o Sr. Portela parece considerar que ela representa a totalidade de crimes cometidos contra gays. Morre um homossexual a cada três dias no Brasil considerando-se somente os crimes que saem na mídia com motivação homofóbica.

Quantos outros ocorrem, mas não chamam a atenção dos jornalistas? Se, apenas com o que a mídia divulga - que, por definição, é sempre uma pequena parte -, esta já é a estatística, imagine se pudessem ser considerados TODOS os crimes que não chegam até ela e têm motivação homofóbica...

Sim, vivemos um genocídio homossexual no Brasil tomando como referência esse parâmetro. Qualquer que seja a conta matemática, é evidente que, na realidade, morrem MAIS de um homossexual a cada três dias por ser homossexual.

Aliás, diferentemente do que o autor distorce em seu texto no primeiro item, o movimento gay não rejeita a ideia de inclinação biológica ou genética da homossexualidade. A defesa do direito de ser quem é a que o teólogo se refere, é bem mais simples que isso: que independentemente da 'causa' da homossexualidade, o fato de ser gay não deve ser motivador de discriminação - e deve-se respeitar as pessoas em sua individualidade, diferença e diversidade.

A título de exemplo, lembremos que, como teólogo cristão, o Sr. Portela OPTOU por essa religião. Mas duvido muito que concorde com a ideia de que deve ser punido, agredido, morto ou discriminado por isso - mesmo que seja muito mais simples mudar de religião do que de orientação sexual (afinal, sequer existem bases objetivas para sustentar 'reorientações' sexuais).

Repito, ao Sr. Portela, a pergunta: quantos heterossexuais são mortos, em notícias da mídia ou fora dela, por conta de sua heterossexualidade?

Por fim, o Sr. Portela se apropria de definições deslocadas (ou distorcidas) dos estudos da sexualidade, ao falar que 'ativos também são homossexuais'. Sugere o autor que os ativos 'não são contabilizados', quando inexiste, na mídia ou nas estatísticas de Luiz Mott, qualquer restrição nesse sentido.

Simplesmente ocorre de que, por questões de machismo que o autor certamente conhece (mas oculta), a passividade é um item agravante e ultrajante para a maneira como é construída a imagem do 'macho brasileiro': razão pela qual é mais comum um 'ativo' matar frente à possibilidade de 'se igualar' permitindo-se a penetração; do que um passivo frente à possibilidade de também penetrar.

Mas o primeiro ponto merece ainda alguma análise. Será que os 'ativos' são também homossexuais?

Algumas vezes, sim. Outras vezes, não.

Com efeito, é sabido que o que define a orientação sexual é o desejo erótico, a atração físico-sexual tomada em sua acepção ampla no interior da vida do indivíduo - Portela, se não sabe (mas ocultou), saberia se acompanhasse os recentes desenvolvimentos nos estudos da sexualidade e áreas afins. Especialmente, no Brasil, experimentações, mesmo que repetidas, em outros espectros da sexualidade não constituem prova de orientação sexual per se.

No Brasil, é comum que homens se relacionem com homens como ativos e se definam, se sintam e vivam como heterossexuais. E, de fato, parte deles realmente o é, posto que o desejo é orientado às mulheres, e as transas com homens não se relacionam à atração que rege suas vidas.

O inverso também é verdadeiro. 'Ex-gays', de igrejas cristãs, da religião do Sr. Portela, não são 'ex-' porque se relacionam sexualmente com mulheres. São GAYS que se relacionam sexualmente com mulheres, mesmo que sua orientação sexual indique o oposto: uma situação que, motivada por questões religiosas, fatalmente é geradora de ansiedade, crises e, quando não, traumas. Existe até nome para isso: orientação sexual egodistônica. Fica aqui, portanto, o alerta: ao contrário do que pregam pessoas como Rozangela Justino e Julio Severo, o 'ex-gay' não está 'curado' ou 'reorientado' de nada - mas, muito provavelmente, inserindo em sua vida uma egodistonia que pode levá-lo, aí sim, à patologia.

Retomemos, portanto, o argumento do Sr. Portela, que tenta, no fundo, culpar os gays pela violência de que são vítimas e talvez negar a existência de criminosos héteros e homofóbicos: não, não são todos os ativos que são homossexuais. Segundo, não me consta que todos os crimes homofóbicos tenham referência à relação sexual dos envolvidos. Terceiro, quem disse que a homofobia não afeta também alguns homens e mulheres, que procuram reprimir a homossexualidade veementemente e se tornam agressivos quando esta lhes aparece?

Além disso, e isso é sabido, um criminoso pode perfeitamente seduzir a vítima com vistas ao mal. Mulheres assassinadas por serial killers, crianças vítimas de pedofilia, e vítimas de violência doméstica, golpes do tipo 'Boa Noite, Cinderela' e outros podem ser estudados nesse sentido. Nem sempre o intuito do autor é o sexo, ou ainda, o sexo enquanto relação, participa dos elementos.

Finalizando este artigo, fica claro do que se trata o texto do Sr. Solano Portela: simples embuste. Tentativa infeliz de minimizar a violência de que uma minoria social é vítima por sua condição de minoria.

Uma atitude no mínimo questionável de quem professa uma religião que já foi minoritária e já sofreu igual ou pior perseguição em sua história, dentro dos mesmíssimos parâmetros. Ou que, hoje, diz pregar o amor.

Esse tipo de amor?! Dispenso.

E depois o autor ainda quer sugerir que não precisamos do PLC 122... Mas o que esperar de um site fundado por Olavo de Carvalho?

Sr. Portela, onde o senhor guarda sua máscara?

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