sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A Reforma de Lutero: a mensagem que ficou esquecida

Há uma mensagem singular que vem da Reforma, em especial, aquela feita por Lutero. Sim, aqui neste blog não foi trabalhado outro olhar sobre o evento. Aquele olhar que diz ser tal movimento algo englobado na política de ruptura medieval, que querendo, ou não, a Reforma aconteceria, e que toda sua singularidade, advogada por muitos teólogos, não passaria de teses românticas, mas que não refletem, de fato, o espírito político da época.

Sem entrar no mérito de tal propositura, quero trazer neste post, o que é para mim, a principal mensagem de Lutero: SUA ANGUSTIA, e essa mensagem nós esquecemos, ela não acompanhou os pós-reformados, e nem é lembrada na herança da Igreja Reformada, mas sem tal angustia a reforma não teria sido o que foi. A conveniência posterior é esquecê-la, porque de fato esse elemento angustiante é sempre reformador, é sempre protesto, é sempre inquietação, e isso não é bom para as instituições, mas é essencial à salvação e a santidade. Assim Lutero compreendeu, viveu e pregou, reformou a Igreja por ter nele tal angustia inquietante, que não o permitia calar-se diante do pecado e diante de si mesmo!

Posso chocar a alguns, mas Lutero era medieval! Possuía uma mística medieval, para compreendermos isso temos que trabalhar um pouco da vida do reformador... Nasceu em 10 de novembro de 1483, em Eisleben, era filho de um minerador de prata, e nasceu na burguesia. Iniciou-se nos estudos de Direito, mas com a consciência atormentada (talvez por ter matado seu próprio amigo em um duelo), voltou-se para um mosteiro, após uma tempestade de raios, onde achou que Deus procurava eliminá-lo por seus pecados. Embora medieval em sua mística, brilhante em seu pensamento, entretanto cruel, não obstante que teólogos nazistas fizeram dele um proto-ariano e o precursor do Führer (talvez pela invectiva contra os judeus). Carregava as marcas de sua formação com o título de doutor em teologia, grau solene conferido em 18 de outubro de 1512.

Era ele um teólogo bíblico, um exegeta, sobretudo do Antigo Testamento. Ele começa a romper com o nominalismo, depois de haver mergulhado completamente nessa tradição escolástica. Condena a razão a ser porca, prostituta, quando trabalha em termos que não concerne sua habilidade de discernir. A razão para ele era um princípio ordenador na qual a revelação deveria ter primazia, iluminando a razão, e fazendo desta cativa à Palavra de Deus.

Lutero imaginava a existência humana in coram Deo, na presença de Deus. Deus jamais poderia ser o princípio primeiro, ou o Ser necessário, para Lutero não era objeto colocado em etapas- o grande pensamento escolástico. Para o reformador Deus não é raciocinado, sua existência não será verificada na razão, mas sim no encontro em juízo e misericórdia, significa exatamente que enquanto estamos à disposição de Deus, sempre, ele (Deus) nunca está à nossa. Segundo Lutero, acreditar em Deus dessa maneira é ter que cair de joelhos.

Dessa feita, alguns temas em Lutero se fazem profundamente existenciais e dialéticos à vida humana. Não se pode em Lutero aceitar argumentos em relação à existência de Deus, mas também, não se pode, na teologia dele, aceitar argumentos à expiação do Cristo, embora tais temas históricos estejam presentes em sua teologia, ele (Lutero), não está ligado a nenhum deles. Dessa feita ao falar sobre a expiação (na sua forma medieval) ele diz: “ Os demônios também possuem suas teorias sobre a expiação, eles crêem e tremem!” Para o alemão, a fé que salva é a que penetra na apropriação pessoal, Cristo foi dado pro me pro nobis (por mim, por nós), reconhecer isso é ser verdadeiramente cristão.

Christus pro me, em Cristo, o Deus soberano, realmente é por nós, não contra nós. Essa boa nova não poderia ser aprendida em abstrato, mas nas profundezas da experiência, apoderada na fé.

O caráter atormentado de Lutero faz dele o teólogo de sua época, uma época atormentada com o conceito de “quem pode ir para o céu”, assim o teólogo é o eterno Anfechtung, afetado, atormentado, angustiado, tentado, desesperado, agredido. Foi o próprio reformador que se utilizou do termo ao descrever seus “conflitos espirituais” na torturante busca do Deus misericordioso. Interessante, aqui, mas de fato esse legado não está na essência da Reforma- está na essência do reformador- de Lutero- mas não de seu legado. Não nos restou isso; essência é aquilo que permanece quando se retira tudo, é aquilo que faz algo ser, e não ser diferente daquilo que é. Sendo, exatamente, aquilo que fica. Diz Lutero: “ninguém deve seguir seu caminho, despreocupadamente, seguro, como se o diabo estivesse longe de nós.”. O anfechtung não deixa para o reformador, um dos lemas da reforma, cair na banalidade que chegou à nossa época, o tema sola fides não é uma crença fácil, a tentação e a experiência, nos diz da fé como uma arte difícil, afirma Lutero. Até mesmo, irritou-se com muitos por descaracterizarem o caráter do desespero à fé.

Assim, a fé genuína é forjada na bigorna da tentação, na experiência do desespero, na vivência da angustia, esse processo é vitalício nos conflitos e tentações. Porque há um dado aqui: o cristão não se torna justo, no sola fides, pelo contrário, ele continua pecador, mas é declarado justo. O que o reformador afirma é que nos apropriamos da graça e somos declarados justificados pela fé somente. Para Lutero a fé não justifica em si mesma, ela é apenas o órgão receptor da justificação, ela não faz a graça existir, mas torna cônscio algo que já existe, não é uma atividade humana, mas é dom do Espírito Santo. Assim quem recebeu é descrito como ao mesmo tempo justo e pecador simul iustus et peccator.

Entretanto Lutero fala do amor que é manifesto como a obra da regeneração; a vivência diante de Deus, manifestada no Cristo é expressa no próximo em amor. Esse amor é espontâneo, a justificação pela fé liberta o cristão para amar desinteressadamente, não como meio calculado dos próprios interesses e desejos. Mas em Cristo, como ele, despojados de ter que amar, mas completa doação por causa do outro.

Esse legado não nos restou, infelizmente não temos cristãos angustiados, mas sim juizes que apontam e dizem quem são os salvos e os que não são! 491 anos depois da Reforma e se Lutero estivesse vivo gritaria por outra urgente.

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