domingo, 26 de junho de 2005













SER
OU NÃO SER

Renato Hoffmann


Certo dia, conversando com alguns conhecidos, o
assunto homossexualidade surgiu, e de uma maneira, até então, por mim
nunca vivenciada. De certa forma, eu achei oportuno, mas não esperava uma
abordagem tão diretiva, que em certo momento me interiorizou.


Vanessa na mesa do restaurante com seu namorado e outros amigos,
olhando para mim, foi sem cerimônias: "Renato, o que é ser gay?".
Imediatamente, com as defesas do ego armadas, sorrindo, talvez sem graça,
disse: "gay é aquele pessoa que gosta de outra do mesmo sexo, você não
sabe?". Claro que procurei fugir do assunto, não por medo, mas pela
pergunta específica envolver algo que nunca havia respondido. Obviamente
que ela sabia o que é o conceito de ser gay, mas não a perspectiva do gay
em si mesma. Eu me assustei, pois estava assentado com evangélicos, e o
primeiro pensamento é, sem sombra de dúvidas,  o do juízo de valores.
Muito embora, ela me questionava em relação ao meu juízo de realidade.


Não tinha medo da pergunta, mas não estava disposto a ser questionado
em relação a moral, e muito menos, ter que defender o direito do ser o que
se é, naquela ocasião. Vanessa, entretanto, disposta a ter suas respostas,
disse-me: "Queria saber o que é ser gay, ou melhor ouvir de um gay o que
ele sente, julga, pensa da sua condição. Escutamos tantas vezes que é uma
escolha, que é doença, que é pecado, safadeza, mas nunca escutamos um gay
dizer o que ele pensa de sua condição, Renato como você se tornou gay?".
Achei aquilo tudo tão incomum, como eu me tornara gay? Talvez, certa manhã
eu levantei de minha cama, e disse a mim mesmo: "cansei de ser hetero,
enjoei, agora vou ser homo", e sai pela vida com minha "nova" identidade e
estilo de ser.


Então resolvi a falar, com a mesma indiscrição que fui questionado:



"Vanessa, não recebi no útero de minha mãe
uma opção, recebi uma condição; sou do sexo masculino, obviamente alguém
argumentaria, que natural seria que eu transasse com pessoas do sexo
feminino, sendo minha realidade presente o desvio da naturalidade com que
as coisas se estabelecem. Entretanto, nós falamos de pessoas, não de
animais, e mesmo que falássemos de animais. Para mim, ser homossexual é a
mesma coisa de ser heterossexual, você simplesmente é. O ser humano para
se constituir na sua realidade presente teve que negar tantas coisas ditas
naturais, e digo negar mesmo; usamos roupas, comemos com garfos, em
pratos, cozinhamos os alimentos, e mantemos relações sexuais longe da
vista dos outros. Então pergunto o que seria natural? Na minha opinião
natural é o sexo, não importa se com pessoas homólogas ou não; transar é
natural. Quem advoga que o sexo homossexual é anti-natural não transa, é
casto, e quer saber? A ciência diz que o ser humano é uma animal sexuado.
Portanto, anti-natural é se abster do sexo.



Existe na natureza animais
que mantêm relações com outros do mesmo sexo; quem nunca viu dois
cachorrinhos do sexo masculino praticarem o coito no meio da rua? Seriam
eles anti-naturais? Creio que não! Ser gay não é desvio de comportamento,
não é perversão, não é doença e, muito menos safadeza. Certo dia, percebi
em mim, que não resistia ao chamado de um determinado aspecto da
sexualidade, que me envolvia por ele e me excitava. Neguei a princípio,
veementemente, qualquer condição relacionada ao homoerotismo, e vivi
infeliz, sendo alguém que no fundo não era. Como me tornei gay? Não me
tornei, eu sou gay, as pessoas não se tornam gays, elas simplesmente são
ou não são. Agora, como me tornei o que sou? Simples, um dia acordei e
decidi ser o que eu sou, sem me preocupar muito com o juízo dos outros,
dando chances a mim de ser feliz e me encontrar. Nesse dia o Renato veio a
ser o que ele é. Sabe Vanessa, ser ou não ser eis a questão!".



3 comentários:

  1. Estranho como algumas definições nos surpreendem... é como se os nossos significados mais intrísecos não pudessem ser transmitidos por palavras, mas simplesmente pela existência...

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