quinta-feira, 2 de junho de 2005

Caríssimo César Marinho,

A graça do nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai, e a comunhão do Espírito Santo estejam contigo.

Fico feliz por você ter utilizado o nosso espaço democrático, como você mesmo denominou, para fazer-se ouvido por nós. De toda a forma, o espaço é para isso mesmo, e como nós o ouvimos, sentimos que devemos, também, falar, afinal, seria muito chato um diálogo sem respostas. Isso demonstraria indiferença de nossa parte, mas nós não somos assim; queremos escutar a todos e falar com todos, que queiram esse contato.

Sabe César, fico demasiadamente chateado, por saber que um dia você sofreu tanto vivendo uma vida que não te satisfazia, a ponto de você viver o "inferno"! Sabe, e é isso mesmo, o inferno todos nós vivemos, quando não nos encontramos identificados na pessoa de Jesus: em suas palavras, e na sua própria vida- que foi vida de cruz pela humanidade;partilhando-se em comida e bebida- pão e vinho- Carne e Sangue, por todos nós pecadores. Afinal, todos pecaram e destituídos de Deus se encontravam (Rm 3,23). Isso quer dizer, que heterossexuais, homossexuais, bêbados, não bêbados, viciados, não viciados, enfim, todos se encontravam nesse mesmo "inferno". Independente das obras, das ações ou do que poderiam fazer para se tornarem melhores...

Entretanto, terei que discordar quando você sugere não interpretarmos o que lemos nas Escrituras- afinal, é a própria Escritura que nos orienta a interpretar tudo, reter o que é bom e descartar o que não serve (I Ts 5,21). Isso se aplica a ele mesma. Ou seja, a própria Escritura- A Palavra de Deus deve ser interpretada e seguida conforme a iluminação e a crítica construtiva.

Em relação às drogas, ledo engano seu mesmo! Imagina, de repente, você, sem nenhum conhecimento psicológico, induz a um sujeito de temperamento melancólico a se drogar com você... isso poderia trazer conseqüências de reforço obsessivos no caráter do sujeito, e até mesmo a depressão. Afinal, a maconha, ou outras drogas, que proporcionam a abreação, em indivíduos de temperamento introspectivo, não devem ser aplicadas ou usadas, pois funcionam com efeitos opostos a abreação, aumentando o transtorno psíquico. Mas, se fosse aplicada em uma clinica de neurologia, psiquiatria, em sujeitos atormentados com os horrores da guerra, ou sobreviventes da Tsunami, sobreviventes ao 11 de setembro, enfim, traria um tratamento considerável na reconstituição da vida dessas pessoas. Eu, por exemplo, tomo duas aspirinas por dia, e todos medicamentos, como você bem sabe, são drogas, mas essas aspirinas evitam derrames, enfartes, dores musculares... por outro lado causam ulceras, gastrites etc. Portanto, antes de alguém usá-las, deve-se consultar o médico. Ainda sobre as drogas, teríamos que repensar sobre os esquizofrênicos suicidas, que precisam de altas quantidades do famoso "sossega leão" que os deixam dopados, viciados, mas os mantém vivos. Entretanto, o tipo de droga que você usava faz muito mal, não pelo uso imediato, mas pelo financiamento do narco- tráfico, dos seqüestros, da matança e, tudo em nome dos rios de dinheiro que isso manipula ou concentra. Substitui o que é humano, por aquilo que você paga e nada mais... no fim, vidas inteiras estão à beira da falência. Mas não sei se culparia somente as drogas; culparia, também, essas mesmas famílias que não souberam demonstrar amor, carinho, aprovação, fazendo com que os seus se desgarrassem e fossem procurar o PRAZER naquilo que chafurdaram toda sua caminhada- pela ausência do companheirismo: A SOLIDÃO. Portanto, realmente, ledo engano, mas não apenas seu, e nem de culpa somente sua. Não são todos que conseguem superar o caminho da existência, vivendo...

Também terei que discordar, quando você diz que o pecado só existe quando conhecemos a Deus, ledo engano seu, novamente! Independente deu conhecer a Deus ou não, deu dar conta de Deus ou não, o pecado existe e se faz presente no egoísmo, na indiferença, que destrói a humanidade, que destrói o individuo e o aliena. Já dizia um psicanalista, muito famoso, que o sujeito (eu) se complementa no outro (para além do eu). Jesus dizia: "Ama a Deus sobre tudo e todas as coisas; e ao PRÓXIMO como a ti mesmo". Portanto, independente deu conhecer a vontade de Deus, peco e me destruo e destruo tudo a minha volta, quando não consigo agir para aquilo que a humanidade foi chamada; a busca pelo outro. Aliás, o homem (Homo sapiens) jamais seria homem (Homo sapiens) sem o auxilio da comunidade, da tribo onde ele se estabeleceu... portanto, o pecado existe e destrói, na indiferença e no egoísmo. (Rm 5,12-21) Jesus nunca disse que o pecado não existia antes de conhecermos a Deus, segundo, o que Paulo disse foi: "mesmo não conhecendo pecado MORRERAM!" e sabe por quê? Porque todos pecaram... Então, enfim, não sei se devo levar isso em conta, pois sua interpretação bíblica foge muito do que ela diz. Entretanto, você se baseia na sua experiência, e a partir da sua experiência, você interpreta as Escritura e fala a nós, mas as experiências são únicas e eu tenho a minha, e na comunidade Gospel GLBT cada um tem a sua, e elas não são parâmetros para dizer o que é ou não pecado, entretanto, você se baseia na sua experiência, interpreta as Escrituras, e diz que estamos pecando, mas a partir de sua experiência, pois até mesmo os textos em que você argumenta, você os rouba o sentido. Ainda que você diga para olharmos a Bíblia, isso você faz segundo o que você acha...

E é através disso que você nos fala e nos compara aos drogados, ninguém aqui disse que as drogas são boas, ou ruins, falamos da homossexualidade, sua experiência com as drogas foi lamentável, não porque você tomou uma aspirina, ou fumou uma maconha, ou bebeu um copo de cerveja, mas pelo fato de seu dinheiro financiar o tráfico, ou dinheiro de quem você roubou, e pelo fato de você se fechar a tudo e a todos e procurar a sua realização como pessoa, fora das pessoas, mas naquilo que alimenta a solidão. Naquilo que te distancia da sociedade, antes você tivesse reunido os amigos e bebido uma cerveja e falado da vida. Não alimentaria a solidão, não roubaria de ninguém, não alimentaria o tráfico e, nem pecaria. Pois você estaria reunido com os seus e teria comunhão com eles, choraria e se alegraria na presença daqueles que brindariam a mesma situação presente. Sem esconderijos, sem ilegalidade, sem egoísmos, sem se fechar...

Contudo, se estivéssemos na Holanda, onde o uso de drogas como a maconha é liberada pelo Governo, ainda assim, não recomendaria, pelos estudos que se têm. O uso excessivo e contínuo da maconha pode comprometer a estrutura neurológica dos indivíduos; entretanto, lá não seria pecado, pois não vai contra as regras, mas seria destrutivo... talvez em indivíduos compulsivos, portanto não seria legal, pois o que destrói voluntariamente o corpo, destrói a vida. Só por isso!

Sei que Deus nos quer por inteiro; corpo, alma e espírito, não só a alma e não só o espírito. E portanto, ele quer uma sexualidade sadia, pois a sexualidade trata diretamente no corpo e na psique (grego),na anima (latim)- alma. Entretanto, você diz que não nos acusa, e aqui gostaria de falar um pouco da psicologia envolvida no seu discurso. Como você diz que não nos acusa uma vez que nos compara aos drogados? É que segundo você, essa foi a sua vida de inferno. Olha está implícito em seu discurso, para onde você está nos mandando, ou aonde você nos têm. Você nos julga, e por isso prega para nós a conversão. Jamais você poderia fazer isso, pois para tal você teria que ser o próprio Deus. Alguém só pode pregar a conversão a alguém, quando este já fez o seu juízo, e percebo que você fez o seu... mas novamente, influenciado pelo ledo engano de se achar capaz disso.

O seu juízo se estabelece na ideologia do EX: ex-marginal, ex-drogado, ex-prostituta, ex-homossexual, ex-traficante, ex-ladrão, ex- seqüestrador etc... A Igreja Evangélica está assim, repleta de ex, o que para mim é lamentável. São pessoas que, por falta de identidade especifica, que os mostre e os diga quem, realmente, são, agarram-se no passado, como propaganda daquilo que, supostamente, deixaram de ser, se punindo ao mesmo tempo nutrindo em si mesmos os velhos prazeres que não deixaram largados. Na verdade você quer um Pai, uma lei, que te puna, que te condene, e isso pelo histórico que você carrega. Na familia pela falta de atenção, pelo se sentir sem espaço, sem amor dos pais, sem apoio, sempre criticado, por se sentir imprestável, daí esse é o único sentimento de amor que você conhece; o que te julga, e o que te faz julgar... e o pior, sem ao menos nos conhecer...

E agora César, quem é você? Até então para mim você é uma pessoa que não aprendeu nada com seu passado e, que sente falta dele, por isso faz questão de lembrá-lo, logo no inicio do seu e-mail, se colocando como ex-drogado. Mas quem é você? Você não se apresentou, discursos desses dos "ex" já cansamos de ouvir, você não nos disse de você, quem é você, o César? Talvez, você não consiga se apresentar, pois nem ao certo, você sabe quem é. Afinal é difícil viver sem um passado, ou melhor, dizendo que do passado nada aprendeu, nada aproveitou, nada lhe foi útil. O que se tem então é alguém sem passado, sem identidade, sem coisas boas, sem uma face para poder dizer sobre ela. Na verdade eu nunca fui ex, e portanto posso falar de mim... e estou falando... porque mesmo no passado, ainda sem conhecer a Cristo, nunca minha vida foi baseada em algo efêmero, ou sem construção. Quando a Cristo conheci, entendi o que era ser cristão e sou, e o "inferno" de outrora, pois não reconhecia o valor dos outros, se transformou em bênçãos vindouras, pois até mesmo os meus relacionamentos, que antes eram desprezados, no passado, vieram a ser importantes, pois foram humanos... e compreendi, que na peregrinação, e no convívio com todos que estiveram a minha volta, ali, pude ver um pouco da face do Cristo partilhado pela nossa salvação. Não vivo a ideologia do ex, pois ela nos retira o rosto. Por isso, entendo que, mesmo não sendo sua intenção nos julgar você o faz, pois o juízo é tudo que lhe resta, tudo lhe cabe, e tudo que você precisa para se dizer cristão e, se punir por um amor que nunca te deram. Assim você compreende o amor... mas quem é você? Eu ainda não sei.

Agora sobre a homossexualidade, se você realmente estivesse interessado em nós, antes de nos julgar, ou de nos comparar com qualquer um ou situação, você teria feito um estudo bíblico, teria ido a um psicólogo, perguntando o que é a homossexualidade, teria querido nos observar, e até mesmo, sua abordagem seria de curiosidade. Mas você não quis nos conhecer, pois você jogou fora seu passado, você nem ao menos se apresentou, disse quem era, se você, realmente, estivesse interessado em nós, você procuraria entender nossos dramas e saber como interpretamos as Escrituras, mas você como não se conhece, não nos conhece e, portanto, você nos julgou incapazes, até mesmo, de termos nossas próprias interpretações. E ainda, nos orientou a não interpretarmos, apenas ler o que está Escrito. Sabe, você não se interessa nem por sua história nem pela nossa. Isso é lamentável, pois quem sabe o inferno ainda se faz presente em alguém que joga ao vento suas memórias, sem nada construir nelas. Daí, entendo a necessidade de você falar de si, como ex-drogado, isso te conforta( te dá um passado) e te dilacera (você se menospreza).

Portanto César, reflita também, como nós refletimos, e não deixe que nada atrapalhe o seu encontro, contigo mesmo, e com Deus, pois se não amarmos a nós mesmos, não poderemos amar a Deus e nem ao próximo.

Em relação postar no blog, isso não será possível, pois o blog é para a comunidade Gospel Gay, assuntos que se relacionam com nossa realidade. E seu e-mail não fala nem de você e nem de nós. Então fica difícil.

Fraternalmente em Cristo

Gospel Gay

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